“Nós somos, afinal, monstros com um cérebro humano e um coração
humano.”
Lestat (Anne Rice’s Lestat Here)
As Crônicas de Kat:
Réquiem
São Francisco, Estados
Unidos
1º de novembro de 2014
Olívia
A sineta da porta atrai minha atenção
completamente. O som é quase imperceptível no meio da confusão de vozes da
lanchonete, mas parece soar dentro da minha cabeça, como um grito em meu
ouvido. Eu viro meu rosto para o som tão rápido que consigo ver o badalo
atingindo o outro lado do sino e fazendo outro som estridente. Acho que eu
nunca conseguirei me acostumar aos sentidos vampíricos.
Kat ri do bigode de chocolate de Ellie, mas
antes que eu possa me virar para elas, eu percebo quem acabou de entrar. Juliana,
Miranda, Charlottie, Sophie, Valentina, Anika, Louise, Naomi, Kaylee, Tatiana,
nessa ordem, entram na lanchonete caladas, sérias e carregando suas pedras nos
pescoços. Toco minha própria pedra de ônix, como sempre faço quando me sinto
intimidada. O que acontece sempre que o Exército está completo.
- Não seja ridícula. – Sophie diz, quando
chega à mesa e vê Ellie fazendo careta enquanto tenta apagar o bigode.
Sou cutucada pela unha de Naomi e abro
espaço no banco para que ela, Sophie e as gêmeas se sentem. Outras três –
Anika, Louise e Charlottie - se sentam com Ellie e Kat. Tatiana, Juliana e
Kaylee colocam cadeiras em volta da mesa. Esse arranjo me deixa meio
claustrofóbica.
- Sério, Ellie, pare de sorrir. – Anika
reclama - Isso é assustador.
- Desculpe. – Ellie diz, tirando o sorriso
do rosto, que continua nos olhos – Acho que estou num bom dia.
- O que, naturalmente, é um motivo para que
todas nós estejamos em um péssimo dia. – Louise diz, apertando os olhos.
Ellie a encara, o olhar tomando uma
expressão fria que faz com que seus olhos pareçam um caleidoscópio. A mesa
inteira explode em uma gargalhada. Exceto por Ellie... E por mim.
- Bem... – Kat começa, depois de um tempo.
– Comecemos do princípio. - Coloca as mãos na bolsa que carrega e tira um
pequeno pacote em papel de presente vermelho de dentro – Feliz aniversário
atrasado, Tatiana.
Os olhos escuros da vampira faíscam e ela
estica a mão até o embrulho. Kat tira outro embrulho parecido, porém
cor-de-rosa, da bolsa e faz deslizar até o outro lado da mesa.
-...E feliz aniversário adiantado, Louise.
Eu sei que são pulseiras de prata com os
sobrenomes delas gravados, mas sou a única que sabe disso. Kat parece estar me
levando para todos os lugares ultimamente, o que provavelmente tem um motivo,
como tudo que Kat faz.
Sinto um chute no joelho e percebo que é
Ellie me encarando, com uma espécie de felicidade zombeteira no olhar. Ela
apenas está me enchendo por estar nervosa na frente das minhas “irmãs” outra
vez. Ela prefere passar tempo comigo quando está de bom humor. Sou a única que
nunca conheceu a “velha Ellie” para sentir falta dela.
- Então... – Ellie diz, séria outra vez -
Sem mais protelar o assunto, o que todas nós estamos fazendo mesmo que jamais
admitamos isso, quando vamos começar a procurar o clã de Deyah?
- Será que dá para não dizer esse nome na
minha frente?
Me encolho quando ouço essa voz, que chega
de repente. Pierre sempre me causa arrepios.
- Você nem deveria estar aqui, Pierre. –
Kat diz, com um olhar suave na direção dele. Que, por sinal, é bem atrás de
mim.
- Não é minha culpa se o feitiço de Sophie
é de duas vias e me diz onde ela está além de dizer a ela onde eu estou. – Ele
resmunga enquanto pega outra cadeira e coloca junto às três que já estão na
ponta da mesa. – Eu estava entediado e como estou ligado a vocês, não é justo
que se divirtam sem mim, certo?
Quando ele se senta, eu preciso olhar pela
janela ao meu lado para não ficar sem fôlego. Não que eu precise respirar, ou seja realmente claustrofóbica; mas estar em
uma pequena mesa com 13 outras pessoas faz com que algo em meu corpo peça
socorro. Principalmente se duas e meia delas tem sangue humano nas veias.
- Respondendo à pergunta de Ellie: nós
vamos procurar a família de Anika,
assim que sua alma estiver completamente em seu poder. - Kat diz, com cuidado -
Não há porque ter pressa agora. Nós já somos treze.
- Somos?
Levo um tempo para perceber que a pergunta
veio de mim. Todos os outros olhos se viram para mim e eu me encolho.
- Claro, Olívia. – Kat diz - Resta alguma
dúvida sobre isso?
- Eu só achei que ainda tivesse em probation.
- Garooota, é muito estranho quando você
fala latim. – Valentina diz, revirando os olhos.
- Acho mais estranho quando ela fala
português. – Miranda solta. - Que no caso é uma versão supercomplexa do latim.
- Vocês falam como se sérvio fosse uma
língua simples. – Rebato.
As gêmeas sorriem
para mim e eu me sinto agradecida. Mas claro, o resto da mesa ainda está focada
na minha dúvida.
- Você não se sente
como parte de nós, Olívia? – Sophie pergunta.
Acho que ela está
fazendo um daqueles feitiços que servem para descobrir se estou mentindo ou
não, mas não tenho certeza. Na dúvida, digo a verdade:
- Só não sei se já
tenho com vocês o que vocês têm umas com as outras.
A mesa parece ser
tomada de condescendência. O que vindo de vampiras, é quase compaixão. Que para
vampiras, é um dos sentimentos mais desprezíveis.
- Só faz um ano e
meio, Liv. – Kaylee diz. – O que nós temos foi construído com anos e com muitos
problemas.
- Nós já confiamos
nossa vida a você ou você não estaria aqui. – Naomi continua, calma.
- Vamos provar. -
Louise diz, terminando de prender a pulseira “Delacrois” no pulso alvo. – Eu
encarrego você de organizar meu grande massacre de aniversário. E faça grande,
estamos deixando São Francisco logo depois.
- Quem decidiu
isso? – Sophie interrompe antes que eu possa dizer algo sobre a incumbência.
- Antes de começar seu
discurso... - Kat diz, cruzando as pernas uma sobre a outra - Saiba que iremos
para Nova Orleans.
Os olhos de Sophie brilham
com a expectativa.
- Já é seguro?
Kat dá de ombros.
- Desde que a gente
não faça nenhum alarde sobre nossa chegada...
Ninguém diz mais
nada, mas a mesa parece vibrar com a alegria que toma conta das garotas. Pierre,
entediado, pega o cardápio e o encara por alguns minutos, depois, de forma
estranha, desliza o cardápio no canto da mão... No que eu percebo tarde demais
ser o prelúdio de uma brincadeira que ele chama de “advinha quem está com sede
agora?”. Infelizmente, dessa vez, quem está com sede sou eu. O chiado escapa
dos meus lábios antes que eu possa controlar e como o Exército inteiro sabe o
que ele significa todas olham para mim outra vez.
- Eu disse que você
deveria ter ido ontem. - Tatiana reclama, franzindo as sobrancelhas.
- Eu não sei, eu
realmente não estava no clima de invadir uma festa de adolescentes do ensino médio.
A música alta.
- Certo. No seu
aniversário nós invadimos um concerto de violinos. - Anika diz prendendo uma
risadinha. Odeio quando meu gosto musical entra em pauta.
- Até lá, você vai
precisar ser menos seletiva no que diz respeito a sua alimentação. - Sophie
completa - Precisamos ficar fortes.
Fácil falar quando
você não precisa fazer nada além de dormir para recuperar suas forças.
- Ok, eu vou parar
com as exigências. - Digo. - Enquanto isso, alguém aí teria...?
Uma bolsa de sangue
é atirada por Kaylee na mesa sem a menor cerimônia. Eu a alcanço e roubo a
xícara de Ellie para enchê-la de sangue.
Essas são as novas
regras no Exército, definidas depois que eu entrei no grupo: bolsas de sangue
em dias normais, sangue direto da fonte em datas comemorativas, como
aniversários. Nenhum assassinato a menos que fosse extremamente necessário ou
muito seguro. Somos treze agora e não queremos correr o risco de ver esse
número diminuir, por isso fazemos o máximo de esforço para não chamar atenção
para nós. De vez em quando encontramos doadores e podemos aproveitar um pouco
mais de sangue quente, mas eu já me acostumei ao sabor meio plastificado do
sangue da bolsa que Sophie e Ellie trazem do hospital no qual trabalham como auxiliares.
Sophie não precisa de sangue e Ellie precisa de sangue cada vez menos, então
foram a melhor escolha para este trabalho.
- Nova Orleans
significa doadores e nós bem longe daquele hospital. - Sophie diz erguendo a
mão para compartilhar um highfive com
Ellie - Eu sinto como se aquele cheiro nunca saísse de mim, mesmo depois de
horas de banhos de banheira.
- Sei o que você
quer dizer... - Ellie murmura. Seu olhar está estranhamente fora de foco, mas
eu sou a única não animada o suficiente para perceber isso.
- Eu sou o único
que não vê tantas vantagens assim em Nova Orleans? - Pierre pergunta.
- Sim. - Respondem
todas ao mesmo tempo me fazendo rir enquanto bebo o sangue, criado bolhas que
sujam meu nariz.
Pierre revira os
olhos.
- Qual é, garotas?
Aquela cidade é uma loucura. Tem bruxas em todos os cantos e até mesmo demônios
vieram conversar conosco da última vez que estivemos lá.
- Você está com
medo? - Juliana zomba.
- Vão dizer que
vocês realmente quereriam perder a presença de espírito desse grupo para o
Inferno? - Pierre pergunta, provocando.
- Se isso adiar a
guerra por mais algumas décadas - Ellie diz, com sua voz gelada - Eu acho uma
barganha aceitável.
- Infelizmente, -
Tatiana diz, completando. - Você é mais uma devolução do que uma troca, vovô. Não tem valor comercial algum.
A mesa inteira cai
na gargalhada, mas eu consigo ver a troca de olhares entre Tatiana e Pierre que
confirma o que Sophie e Charlottie insinuaram para mim há umas duas semanas.
Primeiro, eu fiquei chocada. Quer dizer, Pierre é tipo o bisavô de Tatiana... É
uma situação extremamente bizarra e incestuosa, creio eu, apesar de não haver
precedentes... Que eu saiba.
Naturalmente, quando eu disse isso em voz alta as irmãs Hass me encararam por
um minuto e meio até que eu me dei conta de que Sophie era fruto de um incesto.
Eu gaguejei por alguns segundos e as duas caíram na gargalhada, dizendo que
entendiam que incesto de bisavô com bisneta era muito mais bizarro que entre
dois irmãos, mas eu não devia me preocupar, até porque Tatiana não podia se
apaixonar e Pierre sempre teve uma queda idiota por...
A chegada da
garçonete corta minha linha de pensamentos.
- Posso levar a
xícara? - Ela pergunta e eu levo um tempo para perceber que era para mim.
- Pode trazer a
conta, por favor? - Digo, entregando a xícara para ela.
- Claro. - Ela
responde, saindo de cena enquanto olha para a mancha vermelha na xícara,
surpresa.
- Sophie! - Kaylee
reclama, quando a garçonete não pode mais ouvir.
- Desculpe,
desculpe, eu esqueci.
Mesmo com todo o
barulho dos lugares, sempre - bem, nem sempre, quando Sophie lembra - que vamos
para algum lugar público tomamos a precaução de criar uma bolha mágica que
impeça os outros de ouvirem nossas conversas, que quase sempre envolvem
assassinatos e às vezes incluem identidades falsas: invariavelmente o tema é
crime e sangue. As bolhas também deveriam impedir pessoas de se aproximarem, a
menos que nós queiramos isso.
- Aliás, porque
você pediu chocolate? - Sophie pergunta para Ellie.
- Eu gosto de
aproveitar os prazeres da vida agora que posso. E isso inclui beber coisas que
não tenham gosto de ferro velho. - Apesar de ser alarmante a forma como ela se
refere ao sangue, ela diz isso com uma voz sem sentimentos e com o rosto sem a
mínima expressão, o que é uma prova do período no qual ela encontra.
Kat o chama de
“dominando os sentimentos antes que eles dominem você”: Ellie pode comer se
quiser, não se cansa com facilidade e sente algumas coisas profundamente, mas
consegue matar sem sentir remorso depois. Sophie chama essa fase de “nem lá nem
cá”, mas isso é só inveja porque ela nunca pôde aproveitar a transição.
- Ei! - Diz a garçonete
voltando de repente - Foi só um chocolate, então é por conta da casa. Voltem
sempre.
Levantamos quase em
sincronia e saímos da lanchonete atraindo a atenção de algumas mesas para nós.
Já está escuro lá fora e uma chuva leve cobre São Francisco. Fecho os olhos e
me permito aproveitar a garoa. Sou encantada pela chuva nessa nova vida, sendo
que a odiava antes de morrer. Kat diz que a culpa é da minha transformação,
naturalmente.
- Olívia! - Ouço a
voz de Ellie me chamar depois de um tempo. Abro os olhos antes que ela
complete: - Você não vem?
Suspiro e sigo o
grupo de vampiras que hoje chamo de família, até o prédio que continuaremos a
chamar de lar pelos próximos 5 dias.
Nova Orleans, Estados
Unidos
30 de novembro
Sophie
Eu estou viva - e tomo esta palavra como o
contrário de morta - há 160 anos. 48 deles como uma vampira. 93 como uma bruxa
imortal. Mas, na verdade, eu divido meu tempo de vida entre antes de Nova Orleans e depois de Nova Orleans.
Talvez seja esse o
motivo de eu estar tão frustrada por estar de volta. Quero dizer, ainda está
tudo no lugar e a cidade ainda pulsa de uma forma anglo-francesa incrível... O
problema não é a cidade, sou eu. Eu sinto a falta da Sophie que eu era na
primeira vez que vim a Nova Orleans. Essa cidade me fez forte, poderosa, uma
nova espécie de rainha. Agora eu sou simplesmente uma desconhecida, caminhando
pelas ruas e reconhecendo os prazeres de longe.
- Certeza de que não quer
nada? - Charlottie pergunta, me olhando de soslaio.
- Absoluta. - Respondo,
após um suspiro.
Estamos em uma livraria.
Fui carregada por Olívia, Charlottie, Miranda e Anika para o lugar e agora elas
estão viajando por prateleiras escolhendo dezenas de livros, o que faz algumas
adolescentes lançarem olhares invejosos na direção delas.
- Acho que vou ao
banheiro. - Digo, para Charlottie. - Por favor, tenham terminado quando eu
voltar.
Saio sem esperar resposta
e vou até a portinha que fica embaixo da escada, que é o banheiro dos
funcionários. Nem me lembro como sabia disso, mas eu tenho um dejavú quando
entro no cubículo de 5x1 com uma pia, uma privada e uma janela minúscula e
muito alta. Tranco a porta e abro a torneira para jogar água gelada nos pulsos,
sentindo muita falta da época em que não precisava me importar com coisas como
um bolo de saudades na garganta.
- Qual é, Sophie? - Digo para a imagem no espelho
- Você sabia que nunca mais poderia voltar a ser aquela garota. Por isso se
despediu dela em grande estilo.
É mais fácil dizer que
fazer, naturalmente. Só saí de casa hoje porque a casa minúscula, de três
quartos, alugada com o máximo de discrição possível fica extremamente
deprimente quando colocada em comparação à Mansão Hass. Pelo menos consegui
convencer Kat a ficar no French Quarter.
Faço um coque no cabelo e
me inclino para molhar a nuca. Fui ao lugar onde ficava a Mansão Hass esta
manhã. Eu sabia que a casa fora destruída e no fundo eu esperava ver escombros ou um gramado entre duas mansões, porém, há uma casa nova lá, construída com toda imponência
e sem a menor preocupação com, por exemplo, os fantasmas do Massacre de Fevereiro
de 98 que aparentemente só eu considero importante o suficiente para ter um
nome.
- Eis a primeira vampira
com alma. Tsc, tsc, tsc.
E falando em fantasmas. Levanto a cabeça e
suspiro ao encarar a imagem no espelho.
- Eu jurava que tinha me
livrado de você.
- É isso que você pretende
fazer? Se livrar de mim sem nem contar da minha volta para o Exército que eu
pedi que criassem?
- Você não está de volta,
Deyah. Você é apenas uma alma penada.
- Ex-alma penada, Sophie.
Agora eu sou um fantasma.
Revirei os olhos. Aqui
está: Quando existe grande movimentação de saída do Inferno, são abertas
janelas, que refletem em nosso plano como eventos celestiais inusitados. Para
libertar a alma de Ellie, essas janelas têm sido abertas a cada lua sangrenta.
Eventualmente, algumas almas acabam percebendo a chance de escapar, mas nem
todas sabem como. Só algumas bruxas realmente poderosas conseguiram sair pelas
janelas, entre elas, Deyah. São eventos assim que fazem com que fantasmas
existam no mundo. São sempre almas fugitivas. E sempre do Inferno.
- Independente do que você
seja eu vou dar um jeito de mandar você de volta para o Inferno.
- E correr o risco de
estragar todo o plano do Exército? Duvido muito.
- Estragar por quê? Você
nem deveria estar aqui. A gente se vira perfeitamente sem você. O que você
realmente quer é ter uma parte na guerra para que nós nos sintamos forçadas a
ajudar você quando ela for vencida. No mínimo, você quer um corpo novo. No pior
cenário possível, ser a rainha da nova categoria de vampiros.
- Nada mais justo, afinal foi
eu quem criei vocês.
- E perdeu a criação para
o Inferno. Obrigada por admitir que você não faz a mínima diferença na execução
do plano que você mesma criou. Segunda ideia brilhante perdida, você deve se
sentir péssima.
Coloco a mão na porta, já
quase saindo.
- Você sabe que eu posso
aparecer para Pierre se quiser, não sabe?
- Boa tentativa. Pierre te
odeia. Foi ele, inclusive, quem te matou. Você sabe que aparecer para ele não
faria a mínima diferença.
Saio do banheiro e mesmo fechando
a porta com vontade sou perseguida pela voz que só eu posso ouvir.
12 de dezembro
Naomi
- Os tempos mudaram. –
Tatiana diz, por trás da xícara de café, aproveitando o aroma - Os grupos de
adoradores de vampiros estão cada vez mais conscientes dos seus próprios
poderes e não mais adoram-nos como deuses. Ouvi até mesmo que sangue de vampiro
está a venda.
Ela está me contando sobe
a visita que fez a um dos grupos de debate sobre vampiros que conhecemos em
1997. Estamos no Cafe du Monde com
pedidos que não vamos consumir, mas gostamos de mostrar que podemos comprar.
- Nós não devíamos ter
voltado. - Eu digo, com um suspiro.
- Não acho que teríamos
conseguido parar Kat. - Tatiana responde, dando de ombros - Ela tomou a decisão
e tenho certeza que existe um motivo por trás disso.
- Sempre existe um motivo
por trás do que Kat quer fazer e nós nunca sabemos qual é ele até que ela
queira.
Ela concorda com a cabeça.
Ficamos em silêncio encarando nossas xícaras, as duas pensativas. Dois carros
passam devagar pela rua e eu acompanho eles com o olhar até desaparecem.
- Ela nos diria se já
tivesse encontrando a família de Deyah, certo? - Tatiana pergunta, depois de um
tempo.
- Talvez. A menos que
tivesse um motivo para não fazer isso.
Ela suspira.
- Por que nada é fácil com
Kat?
- Não sei, mas
aparentemente lidar com isso é um extra vem com o sangue da transformação.
Ela concorda outra vez e
passa o indicador pela xícara delicadamente - o café já está ficando frio. Eu
hesito por um instante, mas resolvo dizer sem medo:
- Posso fazer uma pergunta
que ninguém jamais faria no Exército?
- Se você não se importar
com uma resposta completamente honesta. - Ela diz, sem olhar para mim.
- Quanto você confia em
Kat?
Ela ergue os olhos escuros
para os meus.
- Quanto você confiaria em
uma garota mimada e cheia de si que por uma combinação do destino não tem
sentimentos e é uma criatura do Inferno? - Sorrio timidamente e isso a instiga
a continuar: - É claro que eu sou leal a Kat. E devo muito a ela. E acredito em
seus planos e ideais, confiando minha vida a ela. Também acredito no quanto ela
nos preza e confia em nós. Mas eu estou consciente o tempo todo de quão fácil
seria para Kat acabar com todas nós nessa brincadeira. E eu sei que ela também
percebe isso em nós. - Ela dá de ombros - E quanto a você?
Eu penso um pouco.
- Eu vou com o fluxo e
confio porque tenho que confiar para me manter segura. Eu sei que Kat não
deixaria que nada acontecesse conosco, não porque se importa, mas porque nos
considera dela. Além disso, não consigo parar de pensar em como a vida eterna
seria entediante sem Kat e o Exército.
- Talvez - Tatiana diz,
com um sorriso - Mas a verdade é que você não pediu por isso. E nem eu.
Me arrumo na cadeira.
- Você se arrepende?
- Não, eu gosto dessa
vida. Além disso, me arrepender de quê? Eu fui transformada porque estava
morrendo. Não tive uma opção. Mas também não tive uma opção a respeito dos
caras que invadiram minha casa e mataram todos que moravam lá. Estou vivendo e
pensando, então não vou jogar isso fora. Mas não vou mentir sobre querer saber
o que escolheria se uma opção me tivesse sido concedida.
14 de janeiro de 2015
Louise
Esfrego a têmpora tentando
me lembrar onde deixei. Bufo de frustração ao me dar conta de que é impossível
me lembrar. Ou eu coloco a casa abaixo ou dou sorte enquanto olho em volta.
Minha cabeça simplesmente não vai me falar onde eu vinha escondendo dinheiro e
joias de família quando ainda era viva.
Fiquei mais do que
surpresa ao encontrar a casa onde cresci no exato mesmo lugar, fechada sem
tranca e sem nenhum morador novo. Como precisamos deixar Nova Orleans na
correria, acabei deixando absolutamente tudo para trás em 98. Eu sabia que
minha mãe e eu éramos as últimas da família, mas imaginava que alguém fosse
reclamar tudo em algum momento dos últimos 17 anos. Até mesmo esperei dois
meses para vir até aqui, por medo de ser reconhecida por algum vizinho
assustado, mas acabei cedendo à curiosidade ao pensar nas joias de família que
continuavam minhas por direito. Ao chegar, com todos os cuidados possíveis,
encontrei um museu do que fora a família Delacrois na esquina da Chestnut com
Milan Street.
Resolvo deixar a casa e
voltar aqui com reforços depois. Ando pela Milan Street com o rosto e o cabelo
coberto sob um capuz. Não encontro ninguém, o frio provavelmente me deixou
sozinha na rua. Imagino que se alguém me visse e reconhecesse iria acreditar
estar vendo um fantasma e não me confrontaria. Alcanço St. Charles Avenue
decidida a andar de volta ao Quarter, mas perco o fôlego bem antes disso.
Finalmente deixo o capuz cair e vou até um café próximo, pedir por uma garrafa
de água. Água, com seus sais e minerais, é um substituto péssimo para sangue
quando não tenho uma bolsa a fácil acesso, apesar da maioria das vampiras
desprezá-la.
Uma jovem garçonete
levemente familiar anota meu pedido e pede que eu me sente em uma das mesas.
Mesmo sendo meio do inverno e as temperaturas constantemente abaixo de 20
graus, a caminhada me faz suar. Eu nunca fui do tipo atlético quando era viva e
definitivamente não o sou na pós-vida. Ainda bem que não fui uma das primeiras
vampiras do Exército - as histórias de Ellie sobre como elas viajaram a pé pelo
interior da França me deixam exausta.
Quando a garçonete volta
com a garrafa de água, um copo de vidro e a maquininha do cartão, ela também
está suando e usa uma toalha de mão para secar a testa enquanto espera que eu
digite a senha. A toalha vai para cima da bandeja quando devolvo a máquina e
meu queixo cai ao ver a inscrição na mesma. “Lembrança da ceia de Natal da família Hass. 1997.”.
Como foi que uma toalha de mão bordada com fios de ouro veio parar limpando
o suor de uma garçonete? Até que eu me doo conta de com quem ela parece.
- Espere. - Peço quando
ela agradece e se vira. - Qual seu nome?
- Alexandra. - Ela
responde, insegura entre a desconfiança e respeito pelos clientes.
- Último nome.
- Mayfair. - Agora ela
deixa transparecer a desconfiança completamente.
- Você não seria filha de
Adele Mayfair, seria?
Vejo uma faísca de
interesse.
- De onde você conhece
minha mãe?
Me controlo para não
deixar o choque transparecer. Penso no que responder, mas alguém berra “Alex!”
da cozinha e a mesma parece perder todo o interesse e após pedir desculpas, sai
dali correndo. Pego a garrafa de água, desprezando o copo, e volto para a rua,
com a animação renovada.
Quase 2 horas depois chego
à casa que alugamos. Encontro Juliana trançando o cabelo de Valentina enquanto
Naomi trança o cabelo de Miranda na sala principal, todas rindo e conversando
sobre alguma coisa. É aniversário de Ellie então à noite temos uma festinha,
dessa vez organizada por um dos grupos de entusiastas de vampiros com os quais
nos comunicamos outra vez. As meninas se divertem com qualquer momento festivo que
pudermos ter. Quando entro sem fôlego e bufando na sala, a primeira reação de
Juliana é rir.
- Calma aí, Lou. - Ela
diz, entre as risadas. - Parece que estava tentando tirar a mãe da forca. - Ela
se acha a engraçadinha porque fui eu a responsável por matar minha mãe durante
o massacre. Não foi de propósito, eu nem conseguia ver nada, mas ela gosta de
ressaltar sempre que pode.
Faço cara de enfezada
enquanto recupero ar suficiente para falar. Miranda é a única que não ri e
observa minha expressão.
- Parece que ela quer
dizer alguma coisa. - Diz, baixinho.
Todo mundo olha para mim e
eu faço um sinal de positivo com a mão. Depois disso, elas me encaram,
esperando.
- Juliana tem uma irmã de
16 anos. - Solto de uma vez só. - Quer dizer, eu acho que ela tem 16 anos. Ela
pode ter um pouco menos. Juliana sempre aparentou ser mais velha.
- O que? - Juliana
pergunta, interrompendo meu turbilhão. - Explica isso direito, Louise.
Explico direitinho o que
aconteceu, sendo observada pelas quatro vampiras curiosas. Quando termino,
poderia jurar que Juliana estaria pálida de medo se sentisse alguma coisa.
- E agora, Ju? - Valentina
pergunta, olhando para ela com cuidado.
Juliana está olhando para a
frente sem se focar em nada e continua assim por mais um minuto, antes de
dizer, cuidadosamente:
- Não contem para Kat
ainda. Eu quero ver essa garota com meus próprios olhos.
12
de fevereiro
Katerina
- Uma boate para seres da
noite? – Ellie pergunta, piscando os olhos claros.
Me afasto do espelho para
olhar para mim mesma e fico satisfeita com como a blusa preta e o jeans claro
me fazem parecer alguns anos mais velha.
- Bem, é isso que o flyier
diz. - Respondo - Simplesmente porque seria estranho dizer boate para vampiros. De acordo com Amelie, a líder do Apreciadores
da Arte do Sangue, é sangue livre para qualquer um com presas pelo pequeno
valor de 25 dólares.
- Então todas nós vamos?
Me viro para ela.
- Na verdade, o plano era
levar só você esta noite. As meninas já têm planos e nós sempre sabemos como
nos divertir sozinhas.
Ela abre um sorriso torto
que eu só tenho a chance de ver uma vez a cada dois decênios.
- Você está certa e ao
contrário de Olívia, eu não tenho nada contra sangue quente entre uma dança e
outra.
- É esse o espirito. –
Digo, ao vê-la se levantar para trocar de roupa. – O trocadilho não foi
intencional.
Ellie ri e eu faço uma
prece pelo dia que adorarei esse som por suas causas, mais do que o odeio por
suas consequências. Depois de escolher duas peças que ganhou de aniversário e
customizou completamente e se enfiar no banheiro por 5 minutos, Ellie volta
para o quarto, linda como anjo da morte em preto e azul.
Chegamos à boate 40
minutos depois. O motorista do Uber ergue a sobrancelha ao ver o local ao qual
nos trouxe, mas saímos do carro sem nos despedir. Estamos falando de uma casa
clássica, uma mansão como muitas de Nova Orleans, lembrando dolorosamente a
Mansão Hass. A diferença está nos holofotes e no tapete vermelho que cobre o
jardim frontal, além da música alta e dos dois seguranças que na entrada da
casa.
- Vem. – Chamo Ellie – A
senha é “banho de sangue”.
Me aproximo da entrada e
digo a senha, já me aprontando para entrar. Dou um passo à frente e um segurança surge
como um muro impedindo minha passagem.
- Opa, o que você pensa
que está fazendo? - Diz com a voz grave - O clube é para maiores de 21 anos.
- Bem, eu tenho 180.
Reconhecendo a petulância
vampírica, ele dá uma risada que chacoalha seu corpo enorme.
- Parece ter 10.
- Na verdade, 14. Saia da
frente imediatamente.
Ele abre o espaço ainda
rindo e me esgueiro com Ellie para dentro do clube. Os 25 dólares são pagos com
cartão de crédito em uma recepção na varanda, que descubro ser de onde vem a
música. A recepcionista não tem nenhuma reticência ao nos deixar entrar e
imagino quais tipos de vampiros o lugar deve receber. Lá dentro, o volume da
música diminui consideravelmente. Ela ainda está lá, mas é possível conversar
sem mudar o tom de voz. A iluminação é pouca, mas com tanto sangue fresco em
volta é natural que a direção se preocupe em não causar sobrecarga sensorial em
seus mais fiéis clientes.
E o cheiro de sangue fresco
é realmente intenso. Não tanto quanto em uma festa com apenas humanos, mas tudo
no clube é feito especificamente para chamar a atenção para o sangue, ignorando
qualquer distração que uma festa normal apresentaria. Até onde vejo, consigo
enxergar corpos envolvidos um no outro e ainda posso ouvir o ruído sibilante de
um vampiro se alimentando, além de gemidos de dor e de satisfação.
- Por que você sempre
mente sobre a idade em que foi transformada? - Ellie pergunta sem perder tempo
observando seu entorno.
- Porque eu me cansei de
pensarem menos de mim por ter sido transformada aos 10 anos. – Resmungo
tentando achar um humano que não tenha um vampiro grudado no pescoço. Me viro
para ela por um instante: - Não é sobre o que aconteceu antes, é sobre o que
veio depois. Além disso, eu sabia mais aos 8 do que o que esses zumbis malditos
aprendem em uma vida eterna.
- Isso podia ser
necessário em 1864, Kat, mas hoje em dia... – A voz de Ellie soa cristalina por
cima da música de Lana Del Rey - Não me lembro de ter conhecido nenhum vampiro
mais velho que você fora da Romênia. E acho que podemos dizer que o seu
Exército é famoso na nossa pequena comunidade.
- Acho que podemos dizer
mesmo. Mas hábitos antigos demoram a morrer. – Respondo, olhando para ela,
finalmente – E falando neles... Escolha uma. – Digo apontando para um grupo de
garotas humanas que conversam animadas no mar sobre algum assunto aleatório,
provavelmente enfeitiçadas para não notarem toda a atividade demoníaca ao seu
entorno.
Ellie parece acabar de
perceber onde está e seus olhos assumem um tom mais escuro.
- É simples assim? Só
escolher uma?
- Ninguém veio informar as
regras, então imagino que sim. Diversão sem limites para os seres da noite.
Ela encara o grupo por um
instante e aponta com o dedinho para a garota vestida de rosa, usando o
celular, no canto.
- Ela parece entediada e
seria legal ajudá-la a ter uma noite mais interessante.
- Certo. – Respondo
sorrindo quando ela umedece os lábios – Eu fico com a de amarelo.
Até tento avançar até
elas, mas Ellie me segura pelo pulso.
- Pensei que você tivesse
dito que íamos nos divertir juntas.
Meu cérebro parece
deslizar lentamente até a compreensão.
- Você não está
sugerindo...? - Pergunto.
Ela faz a maior tentativa
de olhar inocente possível com aqueles olhos.
- Bem, eu preciso de pouco
sangue agora.
Eu pisco. Nós não bebemos
da mesma pessoa há muito tempo, provavelmente antes de Sophie entrar no
Exército. Só o fizemos quando estávamos desesperadas, mas acabamos descobrindo
que para um vampiro, dividir a mesma presa era incrivelmente íntimo e
deliciosamente divertido. Agora, não estamos desesperadas e não precisamos
dividir uma presa, mas a atração da ideia de não ter regras faz com que a
proposta de Ellie se torne irrecusável.
- Certo. - Respondo, eu
mesma umedecendo os lábios - Vamos fazer isso.
Nos aproximamos da garota
devagar enquanto eu penso na melhor forma de atacá-la. A boate é uma espécie de
“coma à vontade por um valor fixo”, mas eu querendo ou não a comida pensa e
fala. Mas ela não se mexe quando entramos em seu campo de visão e quando
paramos à sua frente, alguns saltos e mimicas confirmam que ela não pode nos
ver.
- AAh, qualquer que seja o
feitiço a impede de ver qualquer atividade vampírica. - Ellie diz - E
transforma ela em uma presa fácil.
Bufo.
- Também tira metade da
diversão.
- Nisso a gente pode dar
um jeito. - E sem dizer mais nada, ela ataca o pescoço da garota pelo lado
direito.
Quando a menina solta um
gemido agonizante, eu alcanço seu pulso esquerdo. O fato de que eu posso sentir Ellie ali, competindo comigo pela
mesma energia vital, lança uma corrente de adrenalina por minha espinha.
Levanto os olhos para olhar para ela e sou recebida por olhos que já me
observavam, vívidos. Vívidos demais. Eu não notaria se retribuísse o olhar com
os mesmos sentimentos, mas a forma como Ellie me olha deixa claro que as coisas
estão mudando rápido demais dentro dela. E eu não sei lidar com o que vem
depois.
9
de julho
Kaylee
- E você acha que viveria
com ele mesmo com todas as suas cicatrizes? - Amelie pergunta, me encarando com
o olho direito, enquanto o esquerdo está fechado por causa da luz do sol.
Ela então faz uma pausa,
como se tivesse esperando por uma reação negativa depois de falar sobre as
cicatrizes, mas eu não me importo de que falem a respeito. O meu problema são
os olhares. Quando começam a encarar meus braços ou falam comigo como se tudo
que conseguissem ver fosse alguém para sentir pena. Isso me incomoda e me deixa
com uma raiva assassina, que infelizmente precisa ser controlada na maioria das
vezes.
- Eu estava contando com o
arrependimento dele ou uma crise de meia idade. O plano era destruir a casa por
dentro, se é que você me entende. Mas foi um plano idiota, a ideia de me matar
enquanto destruía as bruxas era bem melhor. Minha raiva era delas, ele era
apenas um fraco.
Estamos deitadas na grama
do jardim dos fundos da casa dela, aproveitando o sol. Ela esparramada com a
barriga para cima. Eu de barriga para baixo, a observando com os cotovelos
sobre a grama. Eu não sei dizer como exatamente me tornei próxima de Amelie,
mas quando todas nós fomos a uma reunião dos Apreciadores da Arte do Sangue,
ela demonstrou maior interesse em mim que nas outras vampiras do Exército.
Apesar de esquecidas pela cidade, nós nos tornamos uma espécie de lenda entre o
seleto grupo de estudiosos de vampiros e até mesmo o grupo de Amelie, formado
depois de nossa saída da cidade, parecia bem interessado em saber porque
tínhamos tido coragem de voltar a Nova Orleans apenas 17 anos depois do
massacre. Interessados até demais.
- Você sequer o procurou,
depois de ir embora. - Ela diz, simplesmente, depois de um tempo.
- Por que eu faria isso?
Como eu disse, ele foi um fraco, que me desprezou tanto que me entregou para
suas maiores inimigas.
- Você não teve interesse
sobre seus irmãos e irmãs?
- Não. O conceito de
família muda quando nos tornamos vampiras. A maioria de nós acabou matando nossos
pais, por motivos diversos. É quase parte da linha da vida para nós treze. Não
sei porque você quer tanto saber sobre isso.
Ela se vira e fica na
mesma posição que eu, abrindo os dois olhos escuros.
- Tudo sobre você me
interessa, Kaylee Jones.
Reviro os olhos.
- Claro que sim, você é
uma estudiosa de vampiros.
- E você não fica nem um
pouco interessada em saber porque entre 13 vampiras para estudar, eu escolhi
você?
- Eu penso mais em como
você nunca se perguntou porque eu me aproximei de você tão deliberadamente,
considerando o que sabe sobre vampiros que se aproximam de humanos.
Ela dá de ombros, o que é
um movimento estranho por ela estar apoiada sobre os próprios cotovelos.
- Eu sei me proteger.
Caio na gargalhada.
- Disso eu duvido.
Amelie está chateada quando
eu paro de rir, o que me entedia. Quando me chamou para um chá, há alguns
meses, eu pensei que ela fosse me encher de perguntas sobre Kat e sobre o
Exército. Pelo contrário, quando passou das perguntas educadas sobre a minha
estadia em Nova Orleans e indicar onde eu poderia conseguir doadores “irresistentes”,
ela só fez perguntas sobre mim e sobre minha antiga vida. Eu não sei o que
possivelmente ela poderia estar tentando conseguir com isso, não me importo de
falar sobre Cianne, apesar de minha existência como humana ser enxergada através
de um espelho. Falar sobre isso não vai criar um laço entre nós porque laços
com vampiros só são criados através de ligações de sangue e... Desvio de um
pensamento improvável e me coloco de pé.
- Vem, vamos para a
piscina. - Digo, limpando a calça - Vou te contar sobre a boneca de vodu de uma
das filhas das freiras e o caos que ela causou.
Ela me segue e vamos até a
parte de trás da casa, enquanto eu conto essa história que não sei porque me lembrei
agora. Uma coisa é certa, qualquer que seja o objetivo de Amelie, todo esse
blá-blá-blá vai me manter perto dela até que ele seja revelado.
27 de setembro
Dia da Super Lua Sangrenta
Valentina
- QUEM ESCAPOU DO INFERNO?
- Kat grita, a intensidade da voz fazendo a porta do quarto bater às minhas
costas.
Eu nem queria ouvir a
conversa mesmo. Estava em uma aula de costura com Ellie quando Sophie entrou
com Kat e pediu para que eu saísse para que elas pudessem conversar. Isso está
mais parecendo uma briga, mas o que eu poderia fazer?
Kat diz que nos valoriza
do mesmo jeito e que a época de “As Mais Velhas” e “As Mais Novas” ficou para
trás há muito, mas isso não é bem verdade. Dá para ver a diferença na forma
como Kat nos trata. Ellie e Sophie são mais próximas a ela e mais próximas
entre si. Podemos ser iguais em teoria, mas na prática Ellie e Sophie estiveram
com Kat desde o início. Elas são frutos do desejo de Kat por companhia não da
necessidade de um Exército. Kat nunca brigaria com o resto de nós desse jeito
porque não se importa tanto assim.
Balanço a cabeça para
espantar esses pensamentos. Resisto à vontade de grudar a orelha na porta e
resolvo ir em direção ao som do piano que Olívia toca insistentemente há duas
horas. Encontro Miranda sentada no meio do corredor, com um livro enorme no
colo.
- O que você está lendo? -
Pergunto ao me sentar ao seu lado. Mas é uma pergunta estúpida; posso ver a
capa do livro que diz em letras brilhantes “SIGNIFICADOS E PROPRIEDADES DE
PEDRAS PRECIOSAS”.
- Eu queria saber mais
sobre as pedras que carregamos no pescoço.
- Miranda responde, simplista - Às vezes eu acho que elas mais nos
escolheram do que nós as escolhemos.
Concordo com a cabeça
enquanto ouço a voz de Kat sobressair ao piano de Olívia (“VOCÊ QUASE ME MATOU
QUANDO EU ESCONDI QUE...”) só para ser abafada outra vez.
- Me conte o que já
descobriu. - Peço.
- Bem, vamos pela ordem. -
Ela fecha o livro e o abre outra vez procurando pelas pedras em ordem alfabética
- A Água Marinha de Juliana atrai
pensamentos puros e fidelidade; ajuda a expressar sentimentos e a extravasar
aflições. A Almandina de Tatiana é
uma variação da granada, que amplifica os desejos, as emoções, a vitalidade, a
criatividade, a ousadia e a coragem. A
Ametista de Anika é a pedra de maior eficácia na meditação. Transmite paz,
espiritualidade, elimina o estresse e inspira a cura e intuição. - (“ELA NÃO É
MAIS QUEM VOCÊ ADMIRAVA...”) Ela vira folhas enquanto lê, as páginas de cada
uma das pedras já marcada - Nossos Diamantes
- descanso a mão no meu diamante cor-de-rosa - significam a verdade, a pureza,
a perfeição, a dureza, a maturidade, a imortalidade, a limpeza, a fidelidade, a
energia. A Esmeralda de Kat é a pedra
da confiabilidade e da fidelidade; também é conhecida como a pedra dos
viajantes por seu efeito protetor. O
Lápis-Lazúli de Sophie e Charlottie é conhecida por estimular a inteligência
e autocontrole na tomada de decisões. É associada ao sexto chakra
intensificando a captação e percepção de mensagens de outras dimensões. - (“UM
ESPÍRITO PERTURBADO, DESESPERADO POR UM POUCO DE...”) Percebo que Olívia deixou
o piano. Miranda respira fundo antes de prosseguir. - O Ônix de Olívia traz
sabedoria em decisões que precisam ser tomadas; inspira proteção contra magia negra,
encantamentos e feitiços; estabelece harmonia entre o corpo e a alma. O Quartzo de Louise alivia e cura as
mágoas acumuladas, está sintonizado com os nossos estados emocionais, traz paz
interior. O Rubi de Kaylee destaca
qualidades, amplificando a pureza da pessoa que a usa. A Safira de Ellie intensifica sensitividade, amor, meditação e é
uma pedra importante na cura. E o Topázio de Naomi harmoniza a aura,
inspira bons sentimentos, oferecendo ao seu portador alegria, paz e bom humor.
Entende aonde eu quero chegar?
Balanço a cabeça, tentando
fingir que não perdi o raciocínio no meio da explicação. Mas Miranda explica
ainda assim:
- Algumas pedras fazem
todo o sentido para suas usuárias. - Diz, gesticulando - Outras parecem
trocadas. E outras não fazem o mínimo sentido. Eu queria entender o porquê.
Tiro a mão do meu
diamante.
- Ah, Miranda, pare de
dificultar as coisas. Algumas de nós escolhemos nossas pedras simplesmente porque
as achamos bonitas. Incluindo nós duas.
- Talvez. Mas você se
esquece que essa história de pedras preciosas foi ideia de Kat. E Kat nunca faz
nada sem um motivo.
Ouço outro grito vindo
quarto que deixei (“VOCÊS SÓ PODE ESTAR BRINCANDO COMIGO! AGORA???”) e Olívia
aparece no corredor, com as sobrancelhas franzidas.
- Que diabos está
acontecendo?
Antes que eu possa responder,
ouço a porta se abrir adiante.
- Olívia, Valentina,
Miranda - Kat berra da porta aberta - Chamem as outras meninas e venham aqui
imediatamente.
Obedecemos em um salto
enviando mensagens de emergência de nossos celulares. Em seguida corremos até a
sala. Encontramos Sophie inclinada sobre Ellie na chaise longue, sussurrando coisas inteligíveis. Não porque não
podemos ouvir, mas porque estamos abismadas demais com um fato absurdo.
Ellie está chorando.
Eleanor
Eu não percebi até a primeira gota rolar, mas eu vinha
guardando uma enxurrada de lágrimas há mais tempo do que imaginava. Uma vez que
eu choro, eu realmente choro. Não
paro pelo que parecem horas. Soluço e lamurio como não fazia há 150 anos. Tenho
consciência do abraço de Sophie, mas ele parece distante. Sei que o Exército
entra na sala aos poucos e que eu deveria estar tão preocupada quanto elas, mas
não consigo.
Minha mente está tomada de todo sofrimento que deveria
ter vivenciado desde que me tornei vampira. Nunca me senti tão miserável, tão
insignificante, tão cruelmente desnorteada... Sinto minha cabeça ser jogada
para o lado e fazer o caminho de volta antes que meu cérebro sequer processe
que levei um tapa. Pisco os olhos e encaro Pierre através das lágrimas.
- Não vou deixar que você
traia o meu sangue.
Katerina
O tapa de Pierre em Ellie desencadeia uma reação
automática no Exército: todas nós prendemos a respiração. Tudo pode acontecer
depois disso.
Nos segundos seguintes percebo com o canto do olho as
gêmeas tapando os olhos, Sophie mordendo o lábio e o queixo de Tatiana caindo.
Eu apenas observo Ellie. É o que eu mais tenho feito nos últimos 150 anos, mas
é diferente agora. Vejo-a com novos olhos. Vejo as bochechas coradas, as
lágrimas presas nos cílios como pingentes de gelo, o tremor no lábio inferior.
Presto tanta atenção nesses detalhes que noto seu olhar passar de chocado para
furioso. É quando lembro que gelo também queima.
- QUE DIABOS VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO? - Ela grita.
- Tirando você desse maldito transe “barra” estopim de
guerra. - Pierre levanta a mão e mostra a marca da queimadura, já cicatrizando
- E acredite, eu também não queria fazer isso.
Ellie segura cada um dos braços dele com uma mão e o
ergue do chão.
- Nunca mais levante a mão para mim outra vez.
Entendeu?
Ele grita, se contorcendo em agonia, mas Ellie só o
solta quando ele emite algo muito parecido com um sim. Ele corre para perto de
Tatiana quando ela faz isso. A sala toda cai em um silêncio mórbido. Ninguém
sabe o que fazer dali em diante. Ellie fica parada, olhando para as próprias
mãos. Tantas coisas se passam por minha cabeça que eu nem tenho controle do
fluxo de pensamentos.
- Ellie... - Digo, finalmente, quase um sussurro.
Ela se vira e olha para mim com atenção. De repente, seu
olhar se suaviza, mas não se move.
- Eu sei. - Sussurra de volta.
Então dá um gritinho e cai com tudo em cima da cadeira
que estava atrás dela.
Eleanor
- Ellie! - O fantasma grita, surgindo do nada - é claro
que sim, fantasmas sempre surgem do nada - e me faz cair sentada outra vez.
- Era verdade! Você é o que disseram!
- O que????
- Você pode me ver sem que eu esteja em uma superfície
reflexiva. Você realmente é o Réquiem.
- Ellie? – Sophie chama.
Respiro fundo, odiando como meu coração está disparado
e como minha mente está confusa. Só faz dois minutos e eu já sinto falta da
clareza do não sentir.
- Deyah está aqui. – Digo com a respiração
entrecortada. – Ela...
- Não existe espelho nessa sala. – Sophie afirma, confusa
- Como você pode estar vendo ela?
- Você sabe porque você pode me ver. – Deyah diz, com
seu ser trêmulo – Você sobreviveu a 9 dias no Inferno. Você sabe o que sabe.
Eles sabem o que você sabe.
- Cale a boca. – Digo para o fantasma.
- Ah, por favor, alguém a dê um pouco de água com
açúcar. – Pierre resmunga, parecendo recuperado. – Ela está até vendo coisas.
Ninguém se move. Com muito esforço, afasto novas
lágrimas que surgiram após eu me dar conta de que teria que revelar o segredo
que vinha mantendo há décadas.
- Eu acho que antes que Ellie nos explique qualquer
coisa, precisamos deixar o Exército a par do que sabemos. – Kat começa, vindo
ao meu resgate. – Durante um dos “eventos” para a devolução da alma de Ellie, a
alma de Deyah conseguiu escapar e ela tem se comunicado com Sophie há alguns
meses.
- Soph! – Charlottie exclama – Por que você não disse
nada?
- Ela não vai ser de ajuda. – Sophie diz, com decisão
no olhar - Não sem nada em troca. E o preço que ela cobra nunca é pequeno. O
Exército não precisa dela. Eu apenas pensei que se eu estilhasse qualquer coisa
que tivesse o reflexo dela, uma hora ela desistiria. Eu sei que não tinha o
direito de fazer essa escolha, mas agora é tarde demais para pensar nisso. O
que nos traz de volta a Ellie e a como diabos ela está conseguindo ver Deyah em
uma sala que não possui nenhuma superfície reflexiva.
Ouço Anika explicar a algumas das vampiras sobre como
fantasmas só aparecem em espelhos e como isso inspirou as lendas que dizem que
espelhos prendem a alma de quem olha neles, tudo por alto. Eu respiro fundo e
olho para os 13 pares de olhos que focam em mim. Estou com dificuldade de
manter minha mente em ordem e nem me surpreendo quando minha voz sai em um
choramingo:
- Almas são a substância mais misteriosa do universo. –
Começo, como uma preletora. - Pouquíssimo se sabe sobre como elas surgem e como
elas chegam ao fim. Dominá-las, guia-las e mantê-las em um lugar foi algo que o
Inferno levou milênios para aprender a fazer e não poderia ter feito sem a
influência de Deyah. Dá muito trabalho transportar as almas sem grandes
consequências, principalmente para o corpo hospedeiro e só algumas criaturas
sabem como fazer isso. – Falei, falei e ainda não sei como explicar o que sei:
- O efeito colateral de ter sua alma carregada para o Inferno quando você
carrega o filho de um íncubo é um problema para o Inferno. Isso não deveria
acontecer, porque apesar de ser uma experiência dolorosa demais, após dois ou
três dias as grávidas percebem como entram e saem. Mas isso não afetava muita
coisa porque ao nono dia elas morriam e o segredo ficava com as almas em
sofrimento delas. Eu não morri. O que significa que eu ainda sem como colocar e
tirar uma alma do Inferno.
Eu posso sentir a atmosfera da sala mudar mesmo que
ninguém diga nada. Elas sabem que ainda tem mais. Dou o meu melhor para manter
os sentimentos fixados em um ponto, sabendo que vou chorar ainda mais depois.
- Durante o tempo que eu passei com minha madrinha,
também descobri que sou filha de uma mulher que digamos... Tinha poderes.
- Uma bruxa? – Kat pergunta, nervosa.
- Não. Não uma bruxa. Mas os poderes dela estavam
ligados a herança familiar também. Só que eu não os tinha quando viva, porque é
necessária uma combinação de duas pessoas específicas para que alguém da minha
família tivesse poderes e só minha mãe tinha essa combinação.
- Você está fazendo meu cérebro doer, Ellie. –
Valentina reclama, verbalizando a confusão dos rostos presentes. Eu estou
introduzindo uma nova categoria de criaturas na mente delas. Isso vai levar um
tempo para ser absorvido.
- A questão é, graças a ela, eu tenho controle sobre
meu corpo. Não deveria ter, mas sou um caso especial, já que passei por
situações excepcionais. Tenho um conhecimento sobre a química e a física do meu
corpo, combinado a informações únicas sobre os poderes da alma. Enquanto minha
alma estava presa no Inferno, esse conhecimento não estava comigo, ou melhor,
estava, mas eu não sabia como interpretá-lo. Com minha alma de volta a meu
controle...
- Você sabe como ver fantasmas fora de espelhos. –
Sophie completa, cética – E o quê mais?
- Sou um portal, assim como Pierre. Posso me conectar
com alma e com corpo e entrar e sair de planos diferentes. Por isso, tenho todo
conhecimento que Deyah obteve em seus experimentos e que foram roubados pelo
Inferno e mais alguns que ela não tinha como conseguir. Como entrar e como sair
do próprio Inferno. Conheço as linhas finas e prateadas que ligam corpo e alma.
Posso vê-las em minha mente. E graças à minha herança familiar, todas as
funções do corpo, seus extremos, seus picos, como alterar seu funcionamento a
ponto de se transformar quase em um ser novo. Como destruir lembranças e criar
novas. Alterar intenções. – Me interrompo porque me sinto exausta ao expor tudo
isso.
O Exército me olha, todas com um fascínio encantado.
Entre todas, Kat parece a mais encantada e também a mais miserável.
- Mas espere... – Charlottie diz, soando como a irmã –
Se você tem todo esse poder, porque o Inferno devolveu sua alma? Você deveria
ser prisioneira mais preciosa.
- Porque eu não tenho todo esse poder. – Digo, ouvindo
minha própria frustração em ser uma das vampiras do Exército que não foi uma
bruxa enquanto viva. – Todo o meu poder reside no meu conhecimento. Eu sei o
que devo fazer, mas também sei que a prática é bem mais complicada do que faço
soar. Existe uma lenda, a respeito de mulheres como eu, amantes de incubi que sobrevivem ao Inferno: somos
chamadas de Réquiem, porque conhecemos a canção dos mortos. Dizem que alguém
assim aparece a cada 800 anos e se isso for verdade, algumas pessoas já
souberam tudo que eu sei, mas o Inferno as derrotou. A diferença é que faço
parte de um Exército. Eu provavelmente sou a mortal que mais ofereceu perigo ao
Inferno em toda a história, mas o mesmo nunca foi vencido por um mortal e eles
acreditam fielmente que não é agora que será; o que faz da minha destruição
completa apenas uma diversão para eles.
- Ou seja, agora precisamos proteger você a todo custo.
- Anika diz, séria.
Ninguém responde a isso, mas todas olham para Kat. A vampirinha
tenta se impor, mas a percebo confusa no meio de uma onda de novidades que ela
não sabe como absorver. Em uma questão de segundos, todo mundo se dá conta de
que Kat não dirá nada e um burburinho em forma de discussão começa.
- Já que você sabe tanto, se importa em dizer porque
toda vez que vampiras com alma me tocam eu queimo? – Pierre pergunta,
insolente.
Eu sorrio.
- Na verdade, é só sua alma sendo atraída pela nossa. E
almas demoníacas queimam, então você está apenas sendo queimado por si próprio.
E você tem sorte de ser apenas meio demônio. Se você fosse um demônio completo
possuindo um corpo qualquer, parar de tocar você não impediria a combustão
espontânea.
Todas se calam, surpresas com a lógica.
- Por que você nunca disse nada? - Miranda pergunta.
Suspiro, querendo mais uma vez chorar.
- Metade desses conhecimentos estavam guardados
enquanto eu não tinha alma. A alma lembra de coisas que o corpo não sabe. Eu
sabia que deveria saber sobre porque Pierre queimava, mas eu não lembrava
porque não tinha minha alma comigo. A única comunicação que eu tinha com ela
era a necessidade de sangue. Exceto quando eu fiquei presa em Cianne.
- Era por isso que você queria morrer. - Kat,
finalmente diz, sem olhar para mim.
Dou de ombros.
- Eu sabia como sair. Sinto muito.
- Sente até demais. - Sophie resmunga - Chega de blá,
blá, blá. A guerra começou. Você supostamente deveria dizer onde devemos
começar.
Os olhares se fixam em mim novamente. A alma de Deyah
que tinha ficado aquele tempo todo calada, observando tudo, se anima.
- Com alguém que realmente possa fazer alguma coisa
sobre as almas. - Digo - A bruxa herdeira da linhagem de Deyah.
Algumas das meninas querem perguntar alguma coisa, mas
Sophie parece furiosa por algum motivo e se prepara para sair.
- Certo. Feitiço de localização. Preciso de Anika e
quem mais quiser ajudar. - Diz, saindo do quarto e levando algumas das meninas
com ela.
Me aproximo de Kat enquanto a sala ainda está
movimentada. Ela parece perdida, de uma forma que eu nunca vi. Espero que ela
não fique assim para sempre.
- Prepare-se. - Sussurro para ela, com delicadeza. -
Quando isso tudo acabar, você voltará a ser a Bruxa Petry que nasceu para ser.
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