Esse aqui é o primeiro conto temático do blog.
Bom Halloween!
Intro
Bom Halloween!
Intro
Uma das necessidades da mente humana é entender tudo que acontece a nossa volta. Em um mundo de milhões de anos, e bilhões de habitantes não há sequer uma pessoa que entenda tudo. Por isso o conhecimento antigo é passado a cada geração. Entretanto ninguém pensa ou compreende as coisas da mesma forma, então quem pode nos garantir que o que sabemos e conhecemos hoje é a verdade? Quem pode separar o mito da verdade? E se a mensagem que os povos antigos estivessem tentando passar fosse outra?
Capítulo Único
Paris, 31 de outubro de 1864
Em um país como a França, quando existe medo na capital, existem 90% de chances de se tornar pavor nacional e as mortes que fizeram a rua do Orfanato Pepot ser conhecida como a trilha de sangue, podem ser algo do tipo. Mas não é isso que vai me impedir de visitar as crianças.
Eu sigo pelos corredores estreitos, espalhando "Bonsoirs" cada vez que encontro alguém. Quando viro na rua do orfanato sinto meu coração saltar ao ouvir um grito. O som é agudo e desesperado, como alguém precisando de ajuda. Corro na direção do som imaginando que seja alguma criança do orfanato precisando de ajuda. Quando paro na frente do orfanato me deparo com um silêncio que só pode ser definido como de túmulo. Então me lembro de uma lenda:
Era a noite de halloween de 1856 no orfanato. A Srª Pepot nunca gostou do halloween. era ela religiosa e costumava dizer que era como comemorar a existência de demônios. Já Mary, dizia que as crianças tem que ver o lado positivo de comemorações. De qualquer jeito, eu só tinha sete anos quando a Srª Pepot chamou eu e as outras crianças para contar uma história:
- Dizem que esse orfanato foi construído em cima de um local de rituais satânicos. E que diversas feiticeiras morreram aqui em 1358. As bruxas em questão por vingança quiseram mandar seus pequenos amiguinhos do inferno para amaldiçoar esse lugar. E eles passam todo outubro observando o local.
"Quando Jean me contou isso, eu pedi que ele abandonasse o lugar, mas ele não quis. Preferiu ficar por vocês. Por isso oramos todas as noites, crianças. Para nos protegermos deles. Nunca se sabe que demônio você vai encontrar aqui em outubro. E nunca se sabe o que ele vai fazer com vocês. É impossível fugir. Se acontecer com vocês só peçam uma morte rápida. Assim poderão ser poupados de muita dor."
Não preciso dizer que não dormi aquela noite.
Abro a porta a minha frente com a voz de Srª Pepot, ecoando:
- É impossível fugir.
Ouço outra vez o grito desesperado, que me paralisa dessa vez. Sinto meus olhos se encherem de um liquido que não consigo identificar e que os faz queimar. O liquido em questão escorre até meus lábios e ao tocar com a língua descubro que é exatamente o que eu temia. Posso sentir, gotas e mais gotas de meu sangue escorrerem através de meus olhos sujando meu vestido, e até meus sapatos. Sei que pode ir embora se eu parar de chorar mas não consigo. A idéia de uma morte dolorosa e trágica aos quinze anos parece ridícula até que ela esteja iminente.
- Nunca se sabe que demônio você vai encontrar aqui em outubro. E nunca se sabe o que ele vai fazer com vocês.
Eu fecho os olhos tentando evitar as gotas de sangue que deixam a sala com cheiro de metal. Ouço passos na escada que me deixam tensa. E então paro de ouvir qualquer coisa.
Sou tomada por uma dor lancinante, como uma enxaqueca que parece vir de todos os meus ossos e se espalha por meu corpo me tirando todo o ar. Eu poderia gritar, mas doí tanto que minha boca não pode se mexer. Eu fico paralisada de dor.
- Se acontecer com vocês só peçam uma morte rápida. Assim poderão ser poupado de muita dor.
Eu começo uma lenta oração pedindo para que pare. Então sou capturada por olhos azuis tão claros quanto o céu em um dia ensolarado.
- Eleanor. Sabia que viria.
Então tudo é uma sequencia infinita de dor. E em seguida o silêncio.
Ouço vozes. Sinto frio. Me sinto fraca como se qualquer força vital tivesse sido esgotada e ainda estivessem tentando roubar mais. Respirar se torna a coisa mais difícil do mundo e falar está fora de cogitação. Então eu espero. Apenas espero.
É como se acompanhasse uma cena distante. Ouço o barulho de algo gotejando e sei que é meu sangue pelo cheiro. Sei que estou afogada em uma poça com meu sangue. Minha garganta queima, assim como meus olhos, e sou forçada a acompanhar tudo isso sem poder fazer nada para impedir. Isso é a morte?
Então eu ouço outra vez as vozes.
- Ei ela está viva!
- Você consegue me ouvir?
- Acho que não.
- De qualquer jeito, temos que cuidar dela.
- Certo, vou carregá-la.
Então tudo fica escuro outra vez.
Quando abro os olhos, a primeira coisa que vejo é o mar. Em seguida percebo que estou deitada em uma cama com dossel olhando para a janela de um quarto cor-de-areia. Me sento olhando em volta e tentando me lembrar.
- Ah, você acordou. - Ela diz em francês com um leve sotaque inglês.
Uma mulher diz entrando no quarto, segurando um vestido. Ela tem a pele de um tom oliva, olhos castanhos e os cabelos muito cacheados caindo sobre os ombros. É só um pouco mas alta que eu e parece ser só um pouco mais velha também, apesar de eu não fazer ideia de quantos anos tenho. Olho para o espelho a minha frente e respiro fundo tentando lembrar quem é a estranha de cabelo loiro e olhos azuis a minha frente.
- Meu nome é Faith. - Ela diz se sentando a minha frente - E o seu?
- Eleanor. Eleanor Pleurer. - Diz um homem entrando no quarto.
- Ela é Ellie?
Ele balança a cabeça. E vai até a penteadeira.
- Mas... nós passamos treze anos procurando por essa garota. E de repente ela aparece na nossa frente.
Eleanor. Esse nome não faz sentido pra mim.
- Desculpem-me. - Digo cobrindo a perna com uma mantinha. - Vocês podem me dizer o que aconteceu?
- Não se lembra? - Faith pergunta.
- Não. De nada.
- Isso é bom, Peter?
- Eu não diria exatamente bom. - Peter diz cruzando os braços.
Eu suspiro. Como não sei o que aconteceu não sei o que pode ser bom ou o que pode ser ruim.
- Diga sua teoria. - Ela diz, em inglês, que por algum motivo eu entendo.
- Você pode achar ridículo, mas eu acho que foi um íncubo.
- Anh?
- Um íncubo. Conhecido demônio que procura mulheres e as ataca.
- Certo. Você sabe que eu sou bem cética em relação a isso, mas as lendas não dizem que o íncubo procurava mulheres adormecidas?
- Como você mesma disse é uma lenda. Ele é o mais próximo de um vampiro que existe. Ele precisa de sangue. E raramente deixa suas vítimas vivas.
- Mas ele a deixou viva.
- Isso me assusta. O único motivo pelo qual o íncubo deixa suas vítimas vivas é, reprodução.
- Mas... ela tem quinze anos.
- Não é o tipo de coisa que um demônio respeite.
Faith balança a cabeça sem olhar pra mim. Imagino que eles pensem que eu não posso entender o que dizem.
- Como você sabe tanto?
- Meu avô era exorcista.
- Peter estamos juntos há 53 anos. Como eu não sabia disso?
- Você não é a pessoa mais crédula que eu conheço.
Ela aponta para o espelho.
- Eu tenho 71 anos. Não acho que tenha direito de não acreditar em algo.
Ele sorri.
- Conte-me tudo. - Ela diz com uma enfase nervosa.
- Certo. O íncubo geralmente está preso a um lugar ou a uma linhagem sanguínea. No caso de Eleanor provavelmente tem algo a ver com o lugar, mas deve existir um motivo para ele ter deixado Ellie viva e não outra pessoa. Ao contrário do que as pessoas pensam, o íncubo não é como um espírito. Ele é mais como um parasita. Ele suga toda energia vital do hospedeiro o matando, e usa o hospedeiro para reproduzir.
- E o que exatamente esses "bebês" se tornam?
- Meio humanos, meio demônios.
- O que exatamente isso significa?
- Não sei dizer ao certo, Faith. São muitas lendas e muitas histórias para conseguir distinguir a verdade do que é só lenda.
Ela se vira e me lança um olhar triste.
- E o que isso significa pra ela?
- Nós temos que ser realistas. Não acho que isso vá acabar bem.
- Eleanor pediu para que cuidássemos dela, Pete. Devemos isso a ela.
- Eu sei, querida, vou fazer o máximo que puder para salvá-la, eu prometo.
Peter a abraça e eu me encolho na cama.
- Vocês podem me dizer o que aconteceu? - Repito.
Faith desvia dos braços de Peter e se senta na cama a minha frente.
- Você estava no Orfanato Pepot no Halloween. Foi atacada e perdeu boa parte de seu sangue. Ficou desacordada quatro dias.
- Não. é. só. isso... Eu não me lembro de nada.
- Nada?
- Também está nas lendas. - Peter diz em inglês - Ele vai tirar tudo dela, Faith.
Vejo lágrimas se formarem nos olhos dela, mas ela as controla.
- Existe muito que deve saber, Ellie. Mas agora... não está com fome?
- Sim. Muita.
- Trarei algo. Acha que consegue se trocar?
- Claro.
- Então a deixarei sozinha durante alguns minutos. Peter.
Peter sorri e sai do quarto acompanhando Faith.
- Eu conheci sua mãe em 1810. Assim como eu e Peter, ela pertencia a uma especie diferente. Não sei explicar direito. Apenas considere que somos imortais.
Eu balanço a cabeça concordando. Olho outra vez para a janela e para o mar.
- Mas em 1845, ela conheceu seu pai. Ela o amava de verdade, e desistiu da imortalidade por ele. Quando você tinha dois anos, em recebi duas cartas. Uma era dela, que estava muito doente e pediu que cuidasse de você caso algo acontecesse. A segunda carta era do governo que pedia que eu comparecesse em Paris para buscá-la. Mas a segunda carta chegou tarde demais. Eu acabei perdendo você e passei os últimos anos a procurando. Foi por isso que fui ao orfanato. Mary a responsável pelo orfanato, tinha chamado você para passar o Halloween com eles, já que tinha ido morar em uma pensão quando completou quinze anos. Quando eu e Peter chegamos lá, encontramos a verdadeira carnificina. Todas as crianças, Mary e um garoto que não conhecemos estavam mortos. E você estava desmaiada na poça do seu próprio sangue. Você tem sorte em não se lembrar.
- Desculpe-me. Mas eu não vejo nenhum machucado, como eu posso ter perdido tanto sangue?
- Digamos que Peter e eu não achamos que tenha sido... um acontecimento normal.
- Seria algo como um demônio?
- Sim. Como o vampiro das histórias antigas, mas de uma forma diferente.
- Mesmo assim, eu não estou machucada. Como ele pode ter tirado meu sangue?
Faith desvia o olhar imaginando como dizer isso para mim. Então eu me lembro. A dor lancinante, o cheiro forte de metal, a paralisação, o demônio entrando em meu corpo. Então a dor me possui outra vez. Ouço meus gritos através de uma névoa de dor. O som queima meus ouvidos e eu sinto meus olhos arderem como se estivessem jogando fogo neles.
Quando tudo passa, estou agarrada a Faith com a respiração ofegante.
- Está tudo bem, querida. - Ela sussurra.
- Acho que isso confirma o que eu achava. - Peter diz se sentando na cama.
Eu permaneço encolhida nos braços de Faith com medo e suando frio. Peter suspira.
- Você terá que ser forte, Eleanor.
- Vocês acham que aquela coisa deixou um filhote em mim... - Digo soluçando. - Estou com medo
- Vai ficar tudo bem, Ellie.
- Eu sei falar inglês, Faith. - Digo soluçando.
Faith e Peter saem do quarto quando eu começo a cochilar. Ouço eles conversarem no quarto ao lado.
- Foi a primeira vez que ouvi você mentir. - Peter diz calmo.
- O que você queria que eu dissesse? Que ela vai morrer? Ela tem quinze anos, Pete. Eu não imagino como ela vai poder conviver com o fato de ter perdido as pessoas que conhecia em uma massacre, ter sido atacada por um demônio e ainda estar grávida dele se ela não tiver uma perspectiva de final feliz?
- Eu sei que isso a deixa triste, mas temos que ser sinceros com ela. Ela vai precisar ser forte para enfrentar isso.
- Eu sei. Mas estou com medo.
Acordo na manhã seguinte, e visto o vestido que Faith deixou em cima de uma cadeira. Quando olho no espelho, deixo minhas mãos caírem sobre o volume sob o vestido. Prendo o cabelo, me controlando para não chorar. Não tenho sequer nove meses. No máximo alguns dias.
Saio do quarto e vou até a cozinha onde encontro Faith cozinhando.
- Bom dia. - Digo indo até o fogão onde ela está.
- Bom dia, querida. Está se sentindo bem?
- Dentro do possível. Vim para ajudar.
- Não precisa, Ellie. Você precisa de descanso.
- Não por enquanto. Eu posso ajudar agora.
Faith me entrega uma vasilha onde ela tinha começado a bater um bolo para o café da manhã. Começamos a conversar e até a rir. Então quando o café fica pronto, comemos. Peter foi para Paris. Então quando acabamos sinto sangue escorrer pelo meu nariz. Faith está ao meu lado antes que eu possa perceber.
- Ah, querida.
Eu tosso e cuspo sangue. Faith me leva até o sofá tenta me consolar. Eu tenho o mesmo espasmo de dor que tive na noite anterior, é como se me sufocasse. Sinto meus ossos pipocarem, a dor sufocante. E o cheiro de sangue. Começo a engasgar com o sangue que entra pelo meu nariz, queimando meus pulmões. Então para.
- Ótimo. Ainda posso diminuir a dor.
Eu ofego algumas vezes e percebo que as minhas mãos estão inclinadas sobre minha barriga de uma forma protetora. Mas a última coisa que quero no mundo é proteger o que quer que seja isso que esteja crescendo em mim. Eu o odeio com todas as minhas forças.
Dois dias inteiros se passam, enquanto o pequeno monstro cresce em mim. Hoje não consigo sair da cama direito. E divido o tempo entre dormir e beber litros de água e comer a comida que Faith deixa de vez em quando. A coisa costuma não me faz vomitar o que como, mas rouba toda a energia que essa comida me dá.
Está quase anoitecendo quando caio no sono.
Sonho que estou em um jardim. Corro pelo lugar, fugindo. Então sou derrubada por meu perseguidor. Ambos rimos e quando ele se vira, sou tomada por olhos azuis tão claros quanto o céu em um dia ensolarado.
- Eleanor. Sabia que viria.
- Se me pegarem aqui eu estou perdida.
- Só até a semana que vem minha querida. Então poderemos nos casar.
Eu rio.
- Parece até um escritor inglês falando. Mas suas ambições são muito grandes para aquilo que você realmente pode alcançar.
- Não acredite no que dizem Ellie. Meu pai não irá me deserdar se me casar com você.
- Até porque um conde sempre sonha em ver seu filho e herdeiro casado com um orfã de origem estrangeira.
- Inglesa. E não há provas de que você não seja nobre.
- Talvez eu seja uma princesa perdida. - Digo ironicamente.
- Não haja como se não fosse possível.
- Calado, Alec! Me faça acreditar que vamos mesmo poder nos casar.
- Não há dúvidas de que isso vá acontecer, minha Ellie.
Alec me beija de uma forma que me faz mesmo acreditar em suas palavras. O sonho prossegue de uma forma que me faz esquecer de qualquer pesadelo que esteja vivendo.
Acordo gritando de dor e sufocando. Tudo fica bem pior quando sinto minha pele se rasgar e sinto sangue escorrendo por minha perna. Grito ainda mais, o que piora a dor na cabeça e nos ossos. Faith entra no quarto com uma toalha na mão. Ela não consegue mais parar a dor, apenas deixa as crises - que estão sendo cada vez mais longas e piores - passarem. Sinto que um eternidade se passou quando a dor para. E levo outra eternidade pra me recuperar.
- Eu.. - digo quando Faith usa uma toalha para limpar o sangue em minha perna. -... eu... descobri...
Soluço.
- Calma, Ellie. Não se esforce.
- Eu descobri.. - Tosso cuspindo sangue -.. descobri.
Respiro fundo e acabo engasgando.
- Ellie!
Sinto como se a criatura estivesse crescendo ainda mais dentro de mim.
- Faith, eu descobri... a ligação entre eu e o íncubo... E o hospedeiro. Eu era noiva do hospedeiro... Alec... Ele iria se casar comigo... quando eu fizesse quinze anos... Não sei o que aconteceu... Eu...
- Está tudo bem, Ellie.
Ela me puxa devagarzinho para o seu braço. Eu estou tonta. Estou nervosa. Mas de meia hora se passa e eu já estou calma quando digo:
- O que você vai fazer quando a coisa nascer?
- Não sei.
- Prometa que vai matá-lo.
- Ellie.
- É um monstro, Faith. Um monstro. Você não vê o que ele está fazendo comigo?
- Não é isso, querida. É que o que eu sinto agora, é diferente de como vou me sentir quando ele nascer.
- Não é um bebê, Faith, é um monstro. - Começo a chorar. - Prometa que vai matá-lo, por favor, prometa.
- Eu prometo, Ellie.
9 de novembro de 1864.
Pode ser definido como o último dia da minha vida.
O dia em que fui morta pelo meu próprio filho.
Tudo começou quando acordei. E entrei em trabalho de parto. Eu podia senti-lo saindo do meu corpo e usando qualquer meio para isso. Era como se ele estivesse queimando e machucando cada centímetro do meu corpo. Não me lembro de visto nada além de vermelho. Não me lembro de ter ouvido nada além de meus gritos e minha pele sendo ragada em partes cada vez menores. Não me lembro de ter sentido nada além de dor e o cheiro de sangue, sangue e mais sangue. Sufoquei no meu sangue, bebi meu sangue e vomitei meu sangue. Senti meu sangue vazar pelo meu corpo. Senti lágrimas de sangue em minha bochecha e cada vez mais sangue a minha volta. Tudo em minha volta pulsava em um vermelho tonto e cheirava a metal. Eu podia sentir a coisa me partindo de dentro para fora. Tudo doía e sangrava.
Até que acabou. O fim pareceu mais pacífico e doce. Como acordar de um pesadelo. E a última coisa que eu ouvir foi um choro.
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E então? Ficou curioso pra saber o que vai acontecer com o bebê de Ellie? Espere até o próximo Halloween...:)
Eu sigo pelos corredores estreitos, espalhando "Bonsoirs" cada vez que encontro alguém. Quando viro na rua do orfanato sinto meu coração saltar ao ouvir um grito. O som é agudo e desesperado, como alguém precisando de ajuda. Corro na direção do som imaginando que seja alguma criança do orfanato precisando de ajuda. Quando paro na frente do orfanato me deparo com um silêncio que só pode ser definido como de túmulo. Então me lembro de uma lenda:
Era a noite de halloween de 1856 no orfanato. A Srª Pepot nunca gostou do halloween. era ela religiosa e costumava dizer que era como comemorar a existência de demônios. Já Mary, dizia que as crianças tem que ver o lado positivo de comemorações. De qualquer jeito, eu só tinha sete anos quando a Srª Pepot chamou eu e as outras crianças para contar uma história:
- Dizem que esse orfanato foi construído em cima de um local de rituais satânicos. E que diversas feiticeiras morreram aqui em 1358. As bruxas em questão por vingança quiseram mandar seus pequenos amiguinhos do inferno para amaldiçoar esse lugar. E eles passam todo outubro observando o local.
"Quando Jean me contou isso, eu pedi que ele abandonasse o lugar, mas ele não quis. Preferiu ficar por vocês. Por isso oramos todas as noites, crianças. Para nos protegermos deles. Nunca se sabe que demônio você vai encontrar aqui em outubro. E nunca se sabe o que ele vai fazer com vocês. É impossível fugir. Se acontecer com vocês só peçam uma morte rápida. Assim poderão ser poupados de muita dor."
Não preciso dizer que não dormi aquela noite.
Abro a porta a minha frente com a voz de Srª Pepot, ecoando:
- É impossível fugir.
Ouço outra vez o grito desesperado, que me paralisa dessa vez. Sinto meus olhos se encherem de um liquido que não consigo identificar e que os faz queimar. O liquido em questão escorre até meus lábios e ao tocar com a língua descubro que é exatamente o que eu temia. Posso sentir, gotas e mais gotas de meu sangue escorrerem através de meus olhos sujando meu vestido, e até meus sapatos. Sei que pode ir embora se eu parar de chorar mas não consigo. A idéia de uma morte dolorosa e trágica aos quinze anos parece ridícula até que ela esteja iminente.
- Nunca se sabe que demônio você vai encontrar aqui em outubro. E nunca se sabe o que ele vai fazer com vocês.
Eu fecho os olhos tentando evitar as gotas de sangue que deixam a sala com cheiro de metal. Ouço passos na escada que me deixam tensa. E então paro de ouvir qualquer coisa.
Sou tomada por uma dor lancinante, como uma enxaqueca que parece vir de todos os meus ossos e se espalha por meu corpo me tirando todo o ar. Eu poderia gritar, mas doí tanto que minha boca não pode se mexer. Eu fico paralisada de dor.
- Se acontecer com vocês só peçam uma morte rápida. Assim poderão ser poupado de muita dor.
Eu começo uma lenta oração pedindo para que pare. Então sou capturada por olhos azuis tão claros quanto o céu em um dia ensolarado.
- Eleanor. Sabia que viria.
Então tudo é uma sequencia infinita de dor. E em seguida o silêncio.
Ouço vozes. Sinto frio. Me sinto fraca como se qualquer força vital tivesse sido esgotada e ainda estivessem tentando roubar mais. Respirar se torna a coisa mais difícil do mundo e falar está fora de cogitação. Então eu espero. Apenas espero.
É como se acompanhasse uma cena distante. Ouço o barulho de algo gotejando e sei que é meu sangue pelo cheiro. Sei que estou afogada em uma poça com meu sangue. Minha garganta queima, assim como meus olhos, e sou forçada a acompanhar tudo isso sem poder fazer nada para impedir. Isso é a morte?
Então eu ouço outra vez as vozes.
- Ei ela está viva!
- Você consegue me ouvir?
- Acho que não.
- De qualquer jeito, temos que cuidar dela.
- Certo, vou carregá-la.
Então tudo fica escuro outra vez.
Quando abro os olhos, a primeira coisa que vejo é o mar. Em seguida percebo que estou deitada em uma cama com dossel olhando para a janela de um quarto cor-de-areia. Me sento olhando em volta e tentando me lembrar.
- Ah, você acordou. - Ela diz em francês com um leve sotaque inglês.
Uma mulher diz entrando no quarto, segurando um vestido. Ela tem a pele de um tom oliva, olhos castanhos e os cabelos muito cacheados caindo sobre os ombros. É só um pouco mas alta que eu e parece ser só um pouco mais velha também, apesar de eu não fazer ideia de quantos anos tenho. Olho para o espelho a minha frente e respiro fundo tentando lembrar quem é a estranha de cabelo loiro e olhos azuis a minha frente.
- Meu nome é Faith. - Ela diz se sentando a minha frente - E o seu?
- Eleanor. Eleanor Pleurer. - Diz um homem entrando no quarto.
- Ela é Ellie?
Ele balança a cabeça. E vai até a penteadeira.
- Mas... nós passamos treze anos procurando por essa garota. E de repente ela aparece na nossa frente.
Eleanor. Esse nome não faz sentido pra mim.
- Desculpem-me. - Digo cobrindo a perna com uma mantinha. - Vocês podem me dizer o que aconteceu?
- Não se lembra? - Faith pergunta.
- Não. De nada.
- Isso é bom, Peter?
- Eu não diria exatamente bom. - Peter diz cruzando os braços.
Eu suspiro. Como não sei o que aconteceu não sei o que pode ser bom ou o que pode ser ruim.
- Diga sua teoria. - Ela diz, em inglês, que por algum motivo eu entendo.
- Você pode achar ridículo, mas eu acho que foi um íncubo.
- Anh?
- Um íncubo. Conhecido demônio que procura mulheres e as ataca.
- Certo. Você sabe que eu sou bem cética em relação a isso, mas as lendas não dizem que o íncubo procurava mulheres adormecidas?
- Como você mesma disse é uma lenda. Ele é o mais próximo de um vampiro que existe. Ele precisa de sangue. E raramente deixa suas vítimas vivas.
- Mas ele a deixou viva.
- Isso me assusta. O único motivo pelo qual o íncubo deixa suas vítimas vivas é, reprodução.
- Mas... ela tem quinze anos.
- Não é o tipo de coisa que um demônio respeite.
Faith balança a cabeça sem olhar pra mim. Imagino que eles pensem que eu não posso entender o que dizem.
- Como você sabe tanto?
- Meu avô era exorcista.
- Peter estamos juntos há 53 anos. Como eu não sabia disso?
- Você não é a pessoa mais crédula que eu conheço.
Ela aponta para o espelho.
- Eu tenho 71 anos. Não acho que tenha direito de não acreditar em algo.
Ele sorri.
- Conte-me tudo. - Ela diz com uma enfase nervosa.
- Certo. O íncubo geralmente está preso a um lugar ou a uma linhagem sanguínea. No caso de Eleanor provavelmente tem algo a ver com o lugar, mas deve existir um motivo para ele ter deixado Ellie viva e não outra pessoa. Ao contrário do que as pessoas pensam, o íncubo não é como um espírito. Ele é mais como um parasita. Ele suga toda energia vital do hospedeiro o matando, e usa o hospedeiro para reproduzir.
- E o que exatamente esses "bebês" se tornam?
- Meio humanos, meio demônios.
- O que exatamente isso significa?
- Não sei dizer ao certo, Faith. São muitas lendas e muitas histórias para conseguir distinguir a verdade do que é só lenda.
Ela se vira e me lança um olhar triste.
- E o que isso significa pra ela?
- Nós temos que ser realistas. Não acho que isso vá acabar bem.
- Eleanor pediu para que cuidássemos dela, Pete. Devemos isso a ela.
- Eu sei, querida, vou fazer o máximo que puder para salvá-la, eu prometo.
Peter a abraça e eu me encolho na cama.
- Vocês podem me dizer o que aconteceu? - Repito.
Faith desvia dos braços de Peter e se senta na cama a minha frente.
- Você estava no Orfanato Pepot no Halloween. Foi atacada e perdeu boa parte de seu sangue. Ficou desacordada quatro dias.
- Não. é. só. isso... Eu não me lembro de nada.
- Nada?
- Também está nas lendas. - Peter diz em inglês - Ele vai tirar tudo dela, Faith.
Vejo lágrimas se formarem nos olhos dela, mas ela as controla.
- Existe muito que deve saber, Ellie. Mas agora... não está com fome?
- Sim. Muita.
- Trarei algo. Acha que consegue se trocar?
- Claro.
- Então a deixarei sozinha durante alguns minutos. Peter.
Peter sorri e sai do quarto acompanhando Faith.
- Eu conheci sua mãe em 1810. Assim como eu e Peter, ela pertencia a uma especie diferente. Não sei explicar direito. Apenas considere que somos imortais.
Eu balanço a cabeça concordando. Olho outra vez para a janela e para o mar.
- Mas em 1845, ela conheceu seu pai. Ela o amava de verdade, e desistiu da imortalidade por ele. Quando você tinha dois anos, em recebi duas cartas. Uma era dela, que estava muito doente e pediu que cuidasse de você caso algo acontecesse. A segunda carta era do governo que pedia que eu comparecesse em Paris para buscá-la. Mas a segunda carta chegou tarde demais. Eu acabei perdendo você e passei os últimos anos a procurando. Foi por isso que fui ao orfanato. Mary a responsável pelo orfanato, tinha chamado você para passar o Halloween com eles, já que tinha ido morar em uma pensão quando completou quinze anos. Quando eu e Peter chegamos lá, encontramos a verdadeira carnificina. Todas as crianças, Mary e um garoto que não conhecemos estavam mortos. E você estava desmaiada na poça do seu próprio sangue. Você tem sorte em não se lembrar.
- Desculpe-me. Mas eu não vejo nenhum machucado, como eu posso ter perdido tanto sangue?
- Digamos que Peter e eu não achamos que tenha sido... um acontecimento normal.
- Seria algo como um demônio?
- Sim. Como o vampiro das histórias antigas, mas de uma forma diferente.
- Mesmo assim, eu não estou machucada. Como ele pode ter tirado meu sangue?
Faith desvia o olhar imaginando como dizer isso para mim. Então eu me lembro. A dor lancinante, o cheiro forte de metal, a paralisação, o demônio entrando em meu corpo. Então a dor me possui outra vez. Ouço meus gritos através de uma névoa de dor. O som queima meus ouvidos e eu sinto meus olhos arderem como se estivessem jogando fogo neles.
Quando tudo passa, estou agarrada a Faith com a respiração ofegante.
- Está tudo bem, querida. - Ela sussurra.
- Acho que isso confirma o que eu achava. - Peter diz se sentando na cama.
Eu permaneço encolhida nos braços de Faith com medo e suando frio. Peter suspira.
- Você terá que ser forte, Eleanor.
- Vocês acham que aquela coisa deixou um filhote em mim... - Digo soluçando. - Estou com medo
- Vai ficar tudo bem, Ellie.
- Eu sei falar inglês, Faith. - Digo soluçando.
Faith e Peter saem do quarto quando eu começo a cochilar. Ouço eles conversarem no quarto ao lado.
- Foi a primeira vez que ouvi você mentir. - Peter diz calmo.
- O que você queria que eu dissesse? Que ela vai morrer? Ela tem quinze anos, Pete. Eu não imagino como ela vai poder conviver com o fato de ter perdido as pessoas que conhecia em uma massacre, ter sido atacada por um demônio e ainda estar grávida dele se ela não tiver uma perspectiva de final feliz?
- Eu sei que isso a deixa triste, mas temos que ser sinceros com ela. Ela vai precisar ser forte para enfrentar isso.
- Eu sei. Mas estou com medo.
Acordo na manhã seguinte, e visto o vestido que Faith deixou em cima de uma cadeira. Quando olho no espelho, deixo minhas mãos caírem sobre o volume sob o vestido. Prendo o cabelo, me controlando para não chorar. Não tenho sequer nove meses. No máximo alguns dias.
Saio do quarto e vou até a cozinha onde encontro Faith cozinhando.
- Bom dia. - Digo indo até o fogão onde ela está.
- Bom dia, querida. Está se sentindo bem?
- Dentro do possível. Vim para ajudar.
- Não precisa, Ellie. Você precisa de descanso.
- Não por enquanto. Eu posso ajudar agora.
Faith me entrega uma vasilha onde ela tinha começado a bater um bolo para o café da manhã. Começamos a conversar e até a rir. Então quando o café fica pronto, comemos. Peter foi para Paris. Então quando acabamos sinto sangue escorrer pelo meu nariz. Faith está ao meu lado antes que eu possa perceber.
- Ah, querida.
Eu tosso e cuspo sangue. Faith me leva até o sofá tenta me consolar. Eu tenho o mesmo espasmo de dor que tive na noite anterior, é como se me sufocasse. Sinto meus ossos pipocarem, a dor sufocante. E o cheiro de sangue. Começo a engasgar com o sangue que entra pelo meu nariz, queimando meus pulmões. Então para.
- Ótimo. Ainda posso diminuir a dor.
Eu ofego algumas vezes e percebo que as minhas mãos estão inclinadas sobre minha barriga de uma forma protetora. Mas a última coisa que quero no mundo é proteger o que quer que seja isso que esteja crescendo em mim. Eu o odeio com todas as minhas forças.
Dois dias inteiros se passam, enquanto o pequeno monstro cresce em mim. Hoje não consigo sair da cama direito. E divido o tempo entre dormir e beber litros de água e comer a comida que Faith deixa de vez em quando. A coisa costuma não me faz vomitar o que como, mas rouba toda a energia que essa comida me dá.
Está quase anoitecendo quando caio no sono.
Sonho que estou em um jardim. Corro pelo lugar, fugindo. Então sou derrubada por meu perseguidor. Ambos rimos e quando ele se vira, sou tomada por olhos azuis tão claros quanto o céu em um dia ensolarado.
- Eleanor. Sabia que viria.
- Se me pegarem aqui eu estou perdida.
- Só até a semana que vem minha querida. Então poderemos nos casar.
Eu rio.
- Parece até um escritor inglês falando. Mas suas ambições são muito grandes para aquilo que você realmente pode alcançar.
- Não acredite no que dizem Ellie. Meu pai não irá me deserdar se me casar com você.
- Até porque um conde sempre sonha em ver seu filho e herdeiro casado com um orfã de origem estrangeira.
- Inglesa. E não há provas de que você não seja nobre.
- Talvez eu seja uma princesa perdida. - Digo ironicamente.
- Não haja como se não fosse possível.
- Calado, Alec! Me faça acreditar que vamos mesmo poder nos casar.
- Não há dúvidas de que isso vá acontecer, minha Ellie.
Alec me beija de uma forma que me faz mesmo acreditar em suas palavras. O sonho prossegue de uma forma que me faz esquecer de qualquer pesadelo que esteja vivendo.
Acordo gritando de dor e sufocando. Tudo fica bem pior quando sinto minha pele se rasgar e sinto sangue escorrendo por minha perna. Grito ainda mais, o que piora a dor na cabeça e nos ossos. Faith entra no quarto com uma toalha na mão. Ela não consegue mais parar a dor, apenas deixa as crises - que estão sendo cada vez mais longas e piores - passarem. Sinto que um eternidade se passou quando a dor para. E levo outra eternidade pra me recuperar.
- Eu.. - digo quando Faith usa uma toalha para limpar o sangue em minha perna. -... eu... descobri...
Soluço.
- Calma, Ellie. Não se esforce.
- Eu descobri.. - Tosso cuspindo sangue -.. descobri.
Respiro fundo e acabo engasgando.
- Ellie!
Sinto como se a criatura estivesse crescendo ainda mais dentro de mim.
- Faith, eu descobri... a ligação entre eu e o íncubo... E o hospedeiro. Eu era noiva do hospedeiro... Alec... Ele iria se casar comigo... quando eu fizesse quinze anos... Não sei o que aconteceu... Eu...
- Está tudo bem, Ellie.
Ela me puxa devagarzinho para o seu braço. Eu estou tonta. Estou nervosa. Mas de meia hora se passa e eu já estou calma quando digo:
- O que você vai fazer quando a coisa nascer?
- Não sei.
- Prometa que vai matá-lo.
- Ellie.
- É um monstro, Faith. Um monstro. Você não vê o que ele está fazendo comigo?
- Não é isso, querida. É que o que eu sinto agora, é diferente de como vou me sentir quando ele nascer.
- Não é um bebê, Faith, é um monstro. - Começo a chorar. - Prometa que vai matá-lo, por favor, prometa.
- Eu prometo, Ellie.
9 de novembro de 1864.
Pode ser definido como o último dia da minha vida.
O dia em que fui morta pelo meu próprio filho.
Tudo começou quando acordei. E entrei em trabalho de parto. Eu podia senti-lo saindo do meu corpo e usando qualquer meio para isso. Era como se ele estivesse queimando e machucando cada centímetro do meu corpo. Não me lembro de visto nada além de vermelho. Não me lembro de ter ouvido nada além de meus gritos e minha pele sendo ragada em partes cada vez menores. Não me lembro de ter sentido nada além de dor e o cheiro de sangue, sangue e mais sangue. Sufoquei no meu sangue, bebi meu sangue e vomitei meu sangue. Senti meu sangue vazar pelo meu corpo. Senti lágrimas de sangue em minha bochecha e cada vez mais sangue a minha volta. Tudo em minha volta pulsava em um vermelho tonto e cheirava a metal. Eu podia sentir a coisa me partindo de dentro para fora. Tudo doía e sangrava.
Até que acabou. O fim pareceu mais pacífico e doce. Como acordar de um pesadelo. E a última coisa que eu ouvir foi um choro.
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E então? Ficou curioso pra saber o que vai acontecer com o bebê de Ellie? Espere até o próximo Halloween...:)
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