Quando eu tentei soltar a mão dele ele não deixou, então entrelacei os dedos nos dele e descemos o Monte de mãos dadas (eu sei, soa ridículo).
No meio do caminho, mais ou menos onde eu tinha transformado as Selenitas, Nate perguntou:
- O que acontece depois que você ganha a Competição?
- Bem, a gente geralmente vai pra sede da Ordem no país e passa a primavera descobrindo com o que vai trabalhar.
- Você vai amanhã mesmo?
- Geralmente, eles dão uma semana para poder aproveitar com os familiares. Mas, como eu não tenho nenhum, eu prefiro ir amanhã mesmo. Porque a pergunta?
- Eu estava pensando que depois disso a gente não vai poder passar mais tempo juntos.
Eu parei de andar. Aquilo era verdade. Quando eu fosse pra Ordem, eu provavelmente não o veria. Pelo menos por um bom tempo. E eu fiquei surpresa por isso até doer. Quer dizer, nos conhecíamos havia menos de um dia. Mas talvez fosse exatamente por isso que separar a gente agora fosse tão ruim. Eu precisava de mais tempo com ele.
- O que foi? – Ele perguntou vendo minha reação.
- A gente não vai deixar isso acontecer, vai?
Ele deu de ombros.
- O que a gente pode fazer? Eu não posso ir com você pra Ordem, sem fazer parte dela.
- Mas... Mas a Ordem pode ajudar você com a sua história, e...
- Mas não tem como eu fazer parte da Ordem, Chloe.
- Mas... Mas... – Eu odiava gaguejar. Mas ele estava certo e não havia muito a discutir sobre isso. – Mas eu ainda preciso descobrir tanto sobre você.
Ele sorriu.
- Você ainda tem até o meio-dia.
- Não é tempo suficiente.
- Como você tem tanta certeza?
PORQUE MEUS OLHOS ESTAVAM CHEIOS DE LÁGRIMAS?
- Eu só, sei. – Disse engolindo em seco.
Ele apertou os dedos nos meus.
- Não fica assim, Chloe. Vai ficar tudo bem. Ainda pode acontecer muita coisa hoje. Só mantenha o foco no seu objetivo, ok?
Eu simplesmente balancei a cabeça e nós continuamos a andar. Eu fui pensando em algumas perguntas no caminho:
- Qual sua cor preferida?
- Verde.
- Prato preferido?
- Peixe com batatas.
- Aniversario?
- 23 de agosto. E o seu?
- 30 de outubro. Hmm, se você pudesse jantar com uma personalidade, quem seria?
Ele riu.
- Sempre quis que me perguntassem isso. Michael Jordan.
- E por quê?
- Porque ele é o maior jogador de basquete de todos os tempos. Eu gosto de basquete.
- Hmm... Posso pular a pergunta sobre esporte preferido então. Poder preferido?
Ele parou pra pensar.
- Qualquer um relacionado à água.
- Percebi. – Eu disse, rindo. – Mas por quê?
Ele deu de ombros.
- Porque a água é a maior força da natureza. E ela controla a vida.
- Oh. – Foi o que eu consegui dizer.
Nesse ponto, nós chegamos ao Festival. Incrível o que uma energia desconhecida pode fazer com fadas. Todas, exceto as crianças que estavam distraídas demais com seus poderes, olharam em nossa direção, curiosos. Eu já tinha esquecido que estávamos de mãos dadas, até perceber os olhares em direção às nossas mãos. Aí, eu tentei soltar a mão dele de novo, mas só o fez apertar tão forte que minha circulação ficou presa.
Depois de um minuto constrangedor inteiro, a diretora Janie saiu do meio da multidão e apareceu para nos saldar.
- Olá. - Ela disse com um sorriso diplomático - Bem vindo a Fôret.
- Obrigado. - Ele estendeu a mão direita sem soltar a esquerda da minha - Meu nome é Nate.
- É um prazer Nate. - Ela apertou a mão dele - Janie. Imagino que Chloe tenha explicado como as coisas funcionam.
Eu encarei o chão.
- Ela não precisou. - Ele disse olhando Pra mim. - Eu conheço Festivais de Último dia de Inverno de muitos países.
- Ah, um viajante. - Ela estava com o olhar que usa quando esta tentando definir qual o melhor castigo a aplicar - Filho de fadas da Ordem?
- Ah, sim.
- De que país?
- Da Rússia.
- Vindo de lá?
- Sim.
- Oh. - Foi tudo que ela disse e eu me perguntei que conclusões ela tinha tirado daquilo.
- Eu encontrei Chloe na floresta Ontem e estava a ajudando a treinar. Acredito que não seja um problema que eu passe o Festival aqui, certo?
- Não, claro que não. - Ela quase pareceu ofendida por ele considerar a possibilidade – Chloe, querida, mostre o melhor do Festival para seu amigo. - Eu rangi os dentes e concordei - E você esta convidado a passar a noite aqui se quiser assim.
Ele apenas concordou com a cabeça e Janie saiu sorrindo.
- Desculpe por isso. Eu nunca trago gente nova pra Escola então tinha esquecido a parte diplomática da coisa.
- Não tem problema. Isso é mais fácil de lidar do que com as “mean girls” pelo visto.
Eu me virei para as garotas que tinham lançado os olhares. Elas estavam cochichando. Aquilo era como respirar pra elas.
- Não é um saco quando pessoas assim lembram que você existe? - Eu disse o puxando pela mão pra andar.
Ele riu.
- Elas só estão com inveja.
Foi a minha vez de rir.
- Inveja? De mim?
- Mas é claro. Quantas delas tem namorado?
Eu congelei.
- Você não é meu namorado.
Ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. De novo.
- Então vai lá e diz disso pra elas.
Eu não consegui deixar de sorrir.
- Deixa elas pensarem o que quiserem. - E então voltei a andar.
Nós nos misturamos com as pessoas que passeavam pelo Festival. Visitamos as oficinas de treinamento de cada tipo de poder - cada um relacionado a um dos quatro elementos principais da natureza - e vimos as crianças brincarem com os poderes. Depois as oficinas de "trabalhos humanos" - confeitaria, marcenaria, trabalhos com vidro, pedras e etc - onde vimos adultos tentando não usar os poderes para facilitar a coisa toda. E em seguida visitamos as barraquinhas comuns ao estilo de quermesse com todo tipo de jogos e comidas feitas por mãos de fadas. Além disso, existem as outras barracas como as que vendem porções exóticas, e as de cristais. Nós passamos pela frente desses lugares, enquanto tentavam nos atrair para lá, falando sobre a proteção de certas pedras, em especial o quartzo rosa que atrai o amor. A questão é que Foret é uma cidade tão pequena e com tão poucas fadas do sexo masculino que quando uma surge eles fazem de tudo pra unir um casal. Sempre que falavam do quartzo eu tentava soltar a mão de Nate, mas ele me impedia. Ele estava gostando da brincadeira.
Depois de sairmos de uma das barracas de cristais, fomos parados por um garotinho.
- Ei, você quer uma maçã? - Ele disse, meio ofegante. Então estendeu a mão e fez uma pequena macieira surgir no chão e uma maçã aparecer na mão dele.
Eu ri. Não era a primeira criança que se exibia pra nós naquele dia. Mas quem podia culpá-los?
- Claro, porque não? - Eu disse me esticando para alcançar a maçã.
Mas ele deu um pequeno salto pra trás afastando-a de mim.
- São 5 libras.
Nate tossiu. Eu ri outra vez.
- Você sabe que se eu quisesse, eu poderia fazer uma dessa surgir, não sabe?
Ele balançou a cabeça e então pareceu triste.
- Então porque esta tentando vender uma maçã por todo esse preço? - Perguntei.
- Estou tentando conseguir um dinheiro. - Ele fechou a mão em volta da maçã. – Para comprar um brinquedo.
Nate se aproximou dele e perguntou:
- Qual seu nome?
- Jonnhy. E o seu?
- Nate. – Ele soltou minha mão pela primeira vez em quase duas horas e se aproximou do garotinho - Hmm, então Jonnhy, o que você quer comprar?
E foi assim que passamos o resto da manhã ajudando um garotinho a comprar um caminhão de madeira. Admito que foi divertido. Muito divertido. Nate resolveu montar uma barraca na floresta. E colocar nela algumas coisas para vender. Mas o que mais chamava atenção era a barraca em si.
Ele recolheu troncos caídos pela floresta e formou um cubo com eles. Em seguida fez crescer cipós envolvendo e depois flores silvestres em alguns pontos. Por dentro fez crescer jasmins, rosas, tulipas e vários outros tipos de flores até achar o cheiro perfeito. Então alongou os cipós de uma forma que eles pareceram prateleiras. Então colocou nossos "produtos" para exposição.
Então encheu o lugar de cor com pequenas flores sem cheiro. Eu fiquei totalmente maravilhada com o lugar, mas quando perguntei de onde vinha a idéia ele apenas deu de ombros. Quando tudo ficou pronto, Nate e Jonnhy saíram para chamar pessoas para a nossa barraca enquanto eu ficava responsável pela dita cuja. Logo as pessoas chegavam aos montes. Os produtos - brinquedos antigos e mágicos de Jonnhy - foram vendidos bem rápido e depois disso, as pessoas continuavam a pagar só pra entrar na barraca e ver o trabalho que Nate tinha feito. Quando o movimento foi diminuiu nós resolvemos fechar a barraca. Lá dentro, nos contamos o dinheiro. Obviamente tinha dado bem mais do que o suficiente para que Jonnhy comprasse o brinquedo então iríamos dividir o dinheiro em três. Mas eu desisti da minha parte. Se tudo desse certo eu não precisaria de dinheiro tão cedo e Nate ia precisar de dinheiro se fosse continuar fugindo. (Só que eu obviamente escondi esse segundo motivo) Aquilo me deixou triste. Me fez pensar que não teríamos muito mais tempo junto. Mas então ele se virou pra mim e sorriu e eu me forcei a colocar tudo isso em segundo plano e aproveitar o tempo que a gente ainda tinha. Mas quando a divisão do dinheiro acabou, saímos da barraca e Jonnhy saiu correndo depois de agradecer, eu olhei pro céu, e me dei conta de que a gente não tinha tempo. Já deviam ser 11h40. A Competição já ia começar.
Quando ele percebeu meu olhar ele baixou o dele.
- Ei. - Eu disse, devagar - Não é uma despedida. Você ainda vai ficar por tempo suficiente pra dizer tchau não é? E depois disso, nós vamos nos ver de novo. E eu vou ajudar você a resolver seus problemas. Eu prometo.
Ele balançou a cabeça. Eu me aproximei e beijei sua bochecha.
- Quando você ganhar. - ele disse - Olhe pra baixo. E lembre de mim. Eu vou estar em algum lugar ali.
- Eu vou sentir você. Assim como a energia da cidade toda.
- Só não esqueça que um daqueles sou eu. Ok?
- Ok.
- Promete?
Eu sorri e disse:
- De toda a minha alma. - Ele sorriu de volta. - Mas agora eu preciso me posicionar. A gente se vê.
Quando comecei a me afastar ele segurou minha mão outra vez.
- Boa sorte, Chloe.
Por meio segundo, eu quis ficar. Por meio segundo, eu quis desistir do meu sonho só pra tirar aquele olhar derrotado dele. Mas uma parte de mim que ainda era racional gritou tão alto sobre aquilo ser ridículo que tudo só durou meio segundo. Então, eu desentrelacei os dedos dos dele.
- Obrigada. - Eu disse sorrindo. - Até depois.
Entrei na floresta e  me forcei a parar de pensar. Quando cheguei a minha marca todas as pessoas das marcas em volta já estavam lá. Incluindo a pessoa mais próxima, Marienne Janice, aquela esnobe. Ela era mais velha. A segunda mais cotada a ganhar essa competição e a pessoa mais competitiva do universo. Nos colocaram juntas exatamente por isso. A competição precisa ser acirrada ou não faz sentido.
- Veremos se o treinamento com seu namorado ajudou você, Chloe.
- Ele não é meu namorado. - deixei escapar instintivamente, apesar de todo o treinamento para entrar no modo: "não deixe a Janice afetar você".
- Alguém devia avisar isso a ele.
Eu não respondi. Não me mexi. Não apertei os dentes. Apenas continuei respirando devagar e disse pra mim mesma "não deixe ela ou ninguém afetar você". Então repeti todos os outros mantras que me ajudavam a manter o foco. Quando terminei, voltei ao Modo Chloe de concentração. E então nada mais existia. Só eu. E a energia. E foi então que o sol chegou ao meio do céu. Era meio dia. Então eu voltei a correr.
A primeira estratégia de uma fada competidora é correr. Sempre. É uma corrida no fim das contas. Mas depois dos 150 metros iniciais as coisas mudam de figura. As pessoas se lembram de que pra chegar primeiro, precisam acabar com as ameaças. E começam a atacar.
Eu sofri o primeiro ataque em baixo de um pinheiro. Seja lá quem for que tenha atacado usou um dos truques mais antigos da Competição. Ele ou ela, alongou uma raiz tentando alcançar meu calcanhar e então me derrubar. Eu estava tão preparada para aquilo que me desviei sem nem me dar conta. Então me virei de novo até dar um nó na raiz. Eu ia continuar a correr, mas me lembrei do bônus magico. Não sabia se ia dar certo, mas não queria ele usado contra mim então desfiz o nó e quando comecei a ouvir o zumbido voltei a corrida. Tentei me concentrar nas energias a minha volta. Claro que ninguém atacava de perto, ou queria correr riscos. Nem todo mundo em volta estava correndo, uns estavam parados e outros em ataque. Eu continuei a correr. 
O segundo ataque foi tão bobo quanto o primeiro. É muito fácil desviar de bolhas de ar. Só duas delas me machucaram. Uma na orelha que queimou tanto quanto fogo e uma na barriga que me deixou sem ar por dois segundos. Mas meu ataque de volta foi bem pior. Eu criei um vendaval forte que não só levou as bolhas de volta a pessoa que mandava pra mim, como a jogou pra trás com toda força. De acordo com o grito que eu ouvi ela provavelmente quebrou alguns ossos, o que no que diz questão a uma fada deve ter atrasado ela por um pouco menos de dois minutos. 
O terceiro ataque começou antes que eu saísse do lugar. Eu comecei a ficar cansada daqueles ataques normais. Quando um fosso de água se abriu aos meus pés, eu fiquei tão frustrada que usei o mesmo impulso que me tirou de lá pra joga toda a água do fosso no atacante. Aquilo me cansou. Eu me recostei na arvore mais próxima e suspirei fundo. Conforme senti a energia em torno de mim, eu me dei conta do que eles estavam tentando fazer. Os ataques leves eram uma forma de me deixar frustrada e cansada antes de um ataque real e em conjunto. Eles estavam trabalhando em conjunto. Não surpreendia. Se eu estivesse fora, todos tinham a mesma chance de ganhar. Isso diminuía minhas chances de atacar. Eu tinha que me defender o tempo todo pois todos tentariam me atacar. Enquanto pensava na estratégia, percebi uma energia se movimentando mais rápido que o resto delas. Ninguém estava atacando Marienne. E foi aí que todos os meus instintos competitivos surgiram. E eu voltei a correr.
Eu tinha capacidade suficiente pra pensar enquanto corria. Previ cinco ataques me desviando deles. Continuei a correr. Sem parar. Até que não sentia mais meus pés. Só o vento. Eu continuava a prever ataques e desviar, indo cada vez mais interiormente para a floresta até que não existia mais pra onde me desviar. Mas isso não me incomodou. Pensei no bônus magico e deixei os ataques acontecerem.
Primeiro, tentaram brincar com as raízes de novo. Não funcionou. Eu me desviei delas e deixei as raízes se encontrarem umas com as outras até tudo se tornar uma bagunça completa. Algumas arvores saíram seriamente machucadas e eu fui curando-as aos poucos. Quando terminei, todo a floresta começou a zumbir, foi tão alto que tenho certeza de que todos os competidores ouviram o som. Eu aproveitei aquele momento pra correr. Eu estava a mais ou menos 1,5 km do monte quando parei pra considerar o fato de que os ataques tinham cessado do nada. Algumas energias continuavam se movendo e imaginei que o bônus tivesse preso as outras. Mas ainda assim aquilo era estranho e suspeito. Marienne já estava no monte e aquilo me fez pensar um pouco menos e correr um pouco mais. E foi aí que eu fui pega.

O cipó envolveu minha perna por completo me puxando com tanta força que eu parei de senti-la instantaneamente. Mas isso se tornou uma coisa boa porque foi aí que os espinhos começaram a entrar na minha pele. Quando tentei me virar pra entender o que estava acontecendo, os espinhos tocaram a outra perna me fazendo gritar. Eram venenosos. Sangue de fada pode se transformar em qualquer coisa, mas sangue envenenado é apenas sangue envenenado. Eu estava perto do Monte. Presa, sangrando e sem saber como escapar.
Então finalmente tive certeza. Era aquilo que eles queriam. Me prender e me deixar exatamente no lugar onde a armadilha estava montada. Eu deixei algumas lagrimas de frustração escaparem, mas estava calma o suficiente pra pensar no que devia fazer enquanto isso acontecia. Eu tentei criar bolhas de ar em baixo dos espinhos para folgá-los, mas àquela altura eles já estavam muito mais abaixo da minha pele do que o possível. Bolhas de ar ali causariam um sangramento incontrolável. Eu ainda não conseguia sentir a perna, mas uma poça de sangue tinha se formado no chão. Ver sangue me deixava tensa, mas parte de mim esperava por isso. Eu respirei fundo e me concentrei em tudo que eu sabia. Eu devia saber alguma coisa sobre aquilo. Alguma coisa que me ajudaria a me livrar daquilo. Qualquer coisa. Eu só precisava lembrar.
Eu não tinha muito tempo pra conseguir escapar daquele lugar. Só mais alguns minutos e meu sangramento se tornaria serio. Claro que como existiam pessoas controlando o jogo através da energia, logo apareceria alguém pra me ajudar, mas isso faria com que o jogo fosse cancelado e isso era a ultima coisa que eu queria. E ninguém apareceria pra me ajudar antes que a situação fosse séria, então eu precisava controlar aquilo.
O veneno começou a fazer efeito e me deixar tonta, mas veneno tirado de plantas não tem o mesmo efeito nas fadas que tem em humanos e a tontura foi a única coisa que deixou aquele momento pior. Eu tentava pensar no que fazer. Qualquer coisa ajudaria. Então eu olhei para o sol. Não dava pra ver direito da posição que eu estava, mas a forma como a luz dele era refletida e me lembrou as selentinas que eu joguei em Nate mais cedo. Eu via apenas um feixe de luz por perto. A alguns centímetros. Então tive uma luz (Uma ótima forma de colocar, alias). Não era muito, mas era alguma coisa. Como a planta que me prendia estava em um canto escuro da floresta ela provavelmente precisava de um pouco de sol (eu não conseguia sentir sua energia graças ao fato de estar misturada as das pessoas que estavam me atacando). Eu silenciosamente implorei pra que o bônus mágico desse certo. Talvez fosse minha ultima chance. Eu só precisava arrastar minha perna alguns centímetros até onde a luz estava e esperar.
Quando eu fiz isso, o cipó me largou e o zumbido começou, eu fiquei tão feliz que não gritei quando toda a minha pele parecia queimar enquanto regenerava. Eu voltei a correr. Sabia que estavam todos surpresos por eu ter escapado. Talvez os controladores estivessem gritando agora, sabendo que eu conseguiria. Aquilo me impulsionou. Eu precisava vencer. Simplesmente precisava. E dois minutos depois eu cheguei ao Monte das Selenitas.
Foi surpreendente saber que só Marienne estava lá. E que ela ainda estava no meio do monte. Mas eu ainda estava me recuperando e precisava correr então não pensei nisso por muito tempo. Eu voltei a usar a energia das Selenitas quando cheguei a uma curva na subida do monte. Criei uma barreira de pedras em volta do lugar. E as fiz brilhar. Aquilo afastaria as pessoas da competição. E me deixava sozinha com Marienne e o topo do monte. E aquilo me deixava ansiosa.
Enquanto eu corria, me dei conta de que o sol já estava bem a oeste àquela altura. Mais rápido do que eu esperava, ele ia se pôr. No meio da subida, vi que Marienne tinha parado. Então também parei. Ela estava tentando fazer algo que eu ainda não conseguia entender. Tentei entrar na cabeça dela, sem necessariamente invadir a mente dela, mas os planos dela ainda eram um mistério. Quando ela voltou a andar, eu acompanhei o ritmo dos seus passos, andando também. Eu tentei fazer um mapa mental para entender por onde ela estava andando. Ela seguiu o contorno de algumas arvores fazendo um caminho mais longo possível até o topo. Então aquilo era uma tentativa de me fazer seguir pelo outro caminho e depois me atacar? Não. Marienne é mais inteligente que isso... Então o que era? O que ela estava tentando fazer? Ela continuou andando, devagar e eu continuei tentando acompanhá-la. Mas depois de um tempo aquilo tudo ficou cansativo e eu comecei a tentar criar minha própria estratégia.
Eu resolvi rodear o monte e tentar chegar ao topo pelo outro lado. Levaria mais tempo, mas eu teria uma vista melhor do sol e isso me daria uma vantagem, já que o sol é nosso cronometro. Além disso, eu teria um certo tipo de elemento surpresa já que todo mundo sempre chega ao topo pelo lado do monte que fica e frente para Fôret. 
Enquanto andava, percebi que estava com sede. No inicio eu ignorei e continuei andando, mas quanto mais eu andava, mais perto chegava de onde o sol batia com mais força, o que me fazia suar muito e me deixava com mais sede e mais fraca. Até que eu não mais aguentei e tive que me sentar em um tronco um pouco. Eu repassei mentalmente todos os mapas dali que tinha visto nos treinamentos e todas as viagens que já tinha feito pelo Monte. Eu nunca tinha visto nenhuma fonte de agua por ali, mas sabia que existia uma em algum lugar. Enquanto me esforçava pra lembrar suava ainda mais. Eu tinha perdido sangue mais cedo e se minhas cicatrizes não tinham desaparecido por completo, meu sangue não tinha voltado a contagem normal de litros ainda e com a desidratação isso só atrasava esse acontecimento. Eu tentei ficar calma e pensar, mas se tornava mais complicado com o calor. Eu me perguntei quanto tempo tinha passado desde que eu me sentia bem enquanto subia o Monte. Respirei fundo outra vez. E mais uma vez.
Então percebi que a energia de Marienne se movia mias rápido outra vez e lembrei que não estava sozinha e que aquilo era uma competição. Mas eu estava muito cansada e fraca pra levantar e fazer alguma coisa então comecei a tentar monitorar os movimentos dela. Ela estava mexendo com outra energia, um dos elementos. Foi aí que eu quase caí do tronco. Era agua. Marienne estava controlando a única fonte de água de todo monte e me deixando sozinha e desidratando. Ela sabia o que eu tinha passado lá em baixo e mesmo que não fosse aquilo, esse era o jeito mais seguro de se manter no controle.
Dessa vez eu estava fraca demais pra ficar frustrada. Eu tinha que pensar em um jeito de conseguir água e tirar essa maldita vantagem de Marienne o mais rápido possível. Mas não parecia haver solução provável. Pensei em plantas das quais eu podia tirar água, mas nenhuma delas crescia no Monte. Nem mesmo as arvores ali precisam de água já que a energia acumulada fornece a maioria dos nutrientes e... Foi então que eu dei um salto – também não sei de onde eu tirei força para aquilo. Adrenalina, talvez? – se o Monte inteiro consistia basicamente em energia de fada, talvez se eu associasse minha energia a alguma coisa ali eu conseguisse energia o suficiente pra vencer aquilo ou pelo menos pra conseguir outra forma de achar água. Era um plano bem fraco, mas tudo que eu tinha conseguido até ali era com planos fracos, então talvez desse certo.
Eu andei ofegante até a árvore mais próxima, e tentei lembrar um dos feitiços de conexão que faziam parte dos “Feitiços Iniciais da Ordem” e que a gente aprendia na Escola. Tive que me esforçar um pouco porque com os treinamentos para Competição isso não era usado há um tempão. Mas assim que me conectei com a árvore me senti bem melhor. Eu sabia que isso causava danos a árvore, porque era uma troca de energia, ou seja, quando eu ganhava energia, ela perdia até ambas ficarem em equilíbrio, mas estava tudo bem porque a arvore também entrava em equilíbrio de energia com o Monte, que era constantemente abastecido, a menos é claro que todas as fadas da cidade fossem embora ou morressem, o que não ia acontecer. Eu fiz um agradecimento – bobo, mas necessário – à natureza e continuei a seguir o caminho que estava seguindo antes, pela parte da frente do Monte. Eu não fazia ideia de quanto tempo tinha levado parada e como estava fazendo o caminho mais longo, precisava tomar a dianteira o mais rápido possível. Eu nem parei pra pensar no que Marienne estava pensando ou fazendo sobre aquilo, eu simplesmente corri.
Quando cheguei às arvores que rodeiam a clareira no topo do Monte, eu parei de correr. Percebi que nem estava ofegante, e apesar de ainda sentir sede, ela era só um incômodo agora. Minha energia estava ligada a do Monte, mesmo que indiretamente, então eu não me sentiria cansada ou com falta de nada até que o tempo do feitiço acabasse – sim, feitiços desse tipo tem tempo de duração e demoram um tempo até poderem ser realizados outra vez, caso contrário, fadas não precisariam comer. Tentei rastrear a energia em volta, mas não encontrei Marienne por perto, logo, fui até o topo direto.

Quando eu cheguei exatamente ao lugar que consistia o pico do monte, eu mal pude acreditar no que estava sentindo. Eu sabia que quanto mais o sol ia se pondo, mais forte a energia ali ficava, mas eu não fazia ideia que a energia que emanava dali era tão intensa e fazia nos sentir daquele jeito. O sol ainda estava apenas encoberto pela metade e eu já me sentia como se estivesse completa. Como se toda aquela energia completasse, espaços vazios em mim, espaços que eu nem sabia que existiam. Todo meu corpo vibrava. E aquilo era simplesmente maravilhoso.
Foi então que eu sofri meu ultimo ataque. Se eu não tivesse tão envolvida por aquela energia toda ali, eu perceberia Marienne se aproximar. Eu nunca me senti tão estúpida quanto no momento em que ela prendeu meu rosto contra a lama no topo do monte. Com o pé.
- A energia distrai não é? – Ela disse apertando o pé contra meu rosto até que eu comecei a sentir meu nariz começar a sangrar – Desde que eu descobri eu imaginei forma de usá-la. Contra você, claro, já que mais ninguém representava risco.
- Você... – Comecei a dizer, mas ela afundou ainda mais a sola da bota em minha bochecha me fazendo engolir um pouco de terra. Mesmo assim, respirei fundo e tentei continuar falando – de-descobriu? Co-mo? – tossi. Eu estava sangrando e machucada, mas não era um dos piores momentos do dia – Você veio aqui durante o pôr-do-sol? – A última frase soou engasgada.
- Certo. Vou te dar créditos depois de tudo que você passou hoje e explicar. – Ela tirou o pé do meu rosto, mas pressionou minhas costas – Sim, Chloe, eu vim aqui durante o pôr-do-sol antes da competição. E não precisa dizer que é ilegal porque isso é obvio. Mas o fato é que com você na competição a única forma de vencer é trapaceando. E eu precisava vencer. Não é nada pessoal. Ou talvez seja, já que iria ferir meu orgulho perder pra alguém que passou a metade da vida entre humanos. Mas eu precisava vencer dessa vez. É meu ultimo ano como competidora. Por gerações todas as primogênitas da família entraram na Ordem pela Competição, se eu não ganhasse eu seria a amaldiçoada e excluída da família para sempre. Mas não acho que você entenda o que é isso..
Eu estava tão cansada e com tanta dor que aquela provocação simples me fez chorar (sim, eu admito, não tenho mesmo orgulho nenhum). Chorar nunca atrapalhou meu raciocínio ou meu foco, mas daquela vez tudo que eu consegui fazer foi isso.
- Ah, Chloe. Não faça drama, ok? - Ela disse me soltando e estendendo a mão para me ajudar a levantar - Você nunca achou mesmo que fosse ser fácil. E você ainda tem anos de competição. Só precisa enfrentar os olhares desapontados das dezenas de pessoas que torciam por você e seguir em frente.
Aquilo me fez chorar ainda mais. Eu sabia que ela estava se divertindo, mas eu não ligava. Eu só queria que aquilo acabasse o mais rápido possível.
- Tá legal. - Ela disse depois de me observar por um tempo - O sol já esta quase todo posto e eu preciso estar sozinha aqui em cima, então você pode ir embora com o restinho da sua dignidade ou sair da forma mais complicada. Eu acho que sair logo facilitaria as coisas.
E foi aí que ela cometeu um erro: virou de costas. Ela não percebeu que aquela crise de choro me deixou na posição perfeita de um salto de ataque. Ou não parou pra considerar o fato de que a minha energia ainda estava conectada a do Monte. Eu ainda estava forte, mesmo machucada. Ela só tinha me pego desprevenida antes e agora era a minha vez de fazer isso.
No momento em que saltei sobre ela, ela caiu de cara do chão. Levou vários segundos pra que ela entendesse o ataque e tentasse se levantar, mas antes disso eu já tinha criado uma espécie de terremoto que a fez cair de cara outra vez.
- Então você quer da forma complicada não é? - Ela disse usando um feitiço de ar pra se levantar - Tudo bem. Não diga que eu não avisei.
O que aconteceu depois disso foi uma série complicada de feitiços de ataque e defesa que anulavam um ao outro e levavam tudo ao inicio. Até que nós percebemos que faltava um minuto pro sol se pôr totalmente. Apenas uma de nós duas poderia estar no topo do monte quando isso acontecesse ou a competição seria anulada. Então ambas deveriam tentar o ataque final.
Eu fiz em tempo recorde um “flashback“ de todos os feitiços que já tinha feito, visto fazerem ou ouvido falar em toda a minha vida e comecei pensar naqueles que podiam ajudar naquele momento. Logo consegui fazer um top 3. E então tentei fazer a coisa mais perigosa que uma fada pode tentar fazer na vida. Misturei feitiços de elementos diferentes. Existem milhares de razões porque misturar feitiços de diferentes elementos é perigoso. Mas naquele momento eu ignorei todos. Eu não tinha nada a perder e não sabia em quê mais Marienne poderia trapacear então eu simplesmente usei a combinação de feitiços mais intensa que eu consegui pensar e atirei contra ela. Ela não conseguiu pensar em nada pra se defender do meu ataque (eu usei uma mistura de bolha de ar de pressão com tremores terrestres e calor) e acabou indo parar do outro lado do pico. Eu me senti destruída na hora porque o feitiço tomou muito de mim, mas então eu estava sozinha no topo do Monte. A parte onde ela estava não abrangia esse topo. Faltavam 30 segundos pra que o sol se posse totalmente. Minha vitória estava certa.
Apesar de parte de mim provavelmente nunca me perdoar por ter desistido tão fácil de tudo que eu queria quando estava na minha mão, eu nunca vou me arrepender por ter feito as coisas como eu fiz. Por que por mais que no fim tudo seja diferente do que eu esperava, eu não me arrependo da minha decisão final. Não me arrependo de no fim ter sido uma pessoa melhor do que ela.
Eu usei minhas ultimas forças pra sair da parte mais alta do monte e usar um último poder pra levar ela até o centro dali. No momento em que eu a soltei - um pouco agressivamente, mas eu estava cansada demais pra ser de outra forma - e ela caiu com um baque surdo o sol se pôs por definitivo. Eu sempre ridicularizei aqueles filmes com efeitos especiais estilo "Twiches", mas naquele momento eu vi que eles estavam bem perto do que era real. Uma luz - energia luminosa da lua, pura energia - a envolveu na cabeça aos pés e a fez levantar. Quando ela ficou de pé, uma luz a envolvia totalmente. Ela observou o vale e eu não fazia ideia de como ela se sentia, quando ela virou pra mim, olhou nos meus olhos e perguntou silenciosamente: porque?
Eu respondi: Você precisa disso mais que eu. No fim, nós somos muito parecidas. A diferença é que você tem uma família e eu não. Eles precisam de você, então que seja.
Mas e quanto a você?
Eu tinha uma ideia passando pela cabeça. Não tinha certeza, mas eu confiava nele. Então senti a energia na metade do Monte e tive certeza.
Eu vou ficar bem.
Então, me virei e corri monte abaixo antes que ela tivesse tempo de dizer qualquer coisa. Nate estava surpreso e ofegante. Eu sorri.
- Tá tudo um caos lá em baixo. - Ele disse - As pessoas não conseguem entender porque Marienne venceu e só a família dela está feliz. - Ele olhou nos meus olhos - Você desistiu. Não foi por mim não é? Não saberia lidar com isso.
- Não. - Eu disse balançando a cabeça - Eu fiz por mim. Porque me dei conta de que estava sendo egoísta. Não quero ser egoísta, mesmo tendo estado sozinha por todo esse tempo. Eu não sou assim. E mais importante, não quero mais ficar sozinha. Quero ir com você.
Os olhos dele brilharam. Ele não sorriu, mas não precisava disso. Eu sabia que ele queria que eu também fosse. Então ele esticou a mão.
- Então feche os olhos. Conecte sua energia a da natureza. E corra como se mais nada existisse.