Acordo
em uma manhã fria de fevereiro e a primeira coisa que faço é me virar de
barriga pra cima e encarar o teto. Permaneço nessa posição por minutos com a
cabeça cheia de pensamentos sobre nada especificamente, até que o despertador
do rádio relógio liga, alto demais como sempre.
- Feliz
aniversário pra mim. - Sussurro quando soco o rádio, desligando-o, assim como
faço todos os dias.
Até os
meus 15 anos, aniversários eram algo muito importante pra mim. Mas depois que a
gente cresce mais um pouco, percebe que só porque você tá completando mais um
ano de vida o mundo não vai parar pra ficar feliz por você. Ele simplesmente
vai continuar girando. E a vida vai continuar acontecendo. Na verdade, uma
parte de mim odeia aniversários agora, porque isso significa que eu estou
crescendo e que tenho um ano a menos de vida pela frente. Mesmo assim, eu fiz
uma promessa de que pelo menos uma parte do meu dia seria especial, pra que eu
comemorasse tudo que já consegui. Eu penso nisso enquanto faço mini-sanduíches
que vou levar para o trabalho. O que eu vou fazer de especial hoje? Não é todo
dia que se faz 23. E eu sempre gostei desse número.
- FELIZ
ANIVERSÁRIO CRIATURA - Diz minha melhor amiga/colega de quarto me abraçando
pelo pescoço - o que machuca um pouco já que ela é mais baixa que eu, mas eu
não reclamo, sempre amei abraços. Os dela em especial.
-
Obrigada. - Digo entredentes.
- Algum
plano pra hoje?
- Eu
estava pensando nisso, mas não me ocorreu ideia nenhuma.
Ela
suspira.
- Talvez
a gente possa ir ver aquele musical que eu te falei semana passada.
- Os
ingressos estão esgotados pelos próximos 2 meses. - Eu digo pegando café da
cafeteira - E além disso, nós já vimos um musical no seu aniversário, 2 semanas
atrás.
- Ok.
Então talvez um filme?
Eu dou de
ombros.
- A gente
ainda tem o dia todo pra pensar.
- Talvez
seus planos não precisem me incluir. - Ela diz com um sorriso sugestivo.
Eu sei
que a intenção dela era exatamente me deixar vermelha, mas eu não consigo
impedir meu rosto de ficar assim.
- Ele
nunca vai me chamar pra sair. - Digo prendendo um suspiro e soltando um
grunhido antes de terminar meu café.
- Seja
uma mulher evoluída e chame ele.
- Nunca.
Você sabe que eu não consigo. Eu mal consigo dizer Oi.
- Nossa.
Com toda essa atitude, eu vou me casar antes de você. - Ela diz, cheia de
ironia. Todo mundo sabe que ela não quer se casar, apesar de eu nunca ter
acreditado nisso completamente.
- Obrigada
pela parte que me toca. - Digo pegando a vasilha com os minisanduiches e
colocando junto da minha bolsa na sala. - Eu vou tomar banho porque ao
contrario de algumas pessoas, eu tenho um trabalho. - Grito pra ela que
continua na cozinha.
- Ouch.
Não precisava usar isso pra se defender. E pra sua informação eu vou hoje mesmo
para um teste de emprego. E dessa vez talvez dê tudo certo.
- Vai
dar.
Então eu
entro no banheiro. Ajusto a temperatura do chuveiro pra escaldante e entro no
banho. Quando saio me sinto um milhão de vezes melhor, e pronta para um novo
dia. O primeiro deles com 23 anos.
- Você
precisa levar todos esses papéis pra contabilidade. E depois a gente conversa
sobre essa ideia de matéria que você teve.
Toda vez
que eu digo que eu trabalho na revista em que sempre sonhei trabalhar, as
pessoas tem a ideia errada sobre com o que eu trabalho. Acham que eu sou
colunista ou editora, como eu sempre quis, mas na verdade, eu sou assistente da
editora chefe. O que me coloca em uma espécie de vida ao estilo "O Diabo
Veste Prada" e basicamente classifica minha profissão como "garota do
café". Mas falando desse jeito, eu não faço jus ao meu serviço. Eu ajudo
em grandes decisões sobre o que vai sair na revista e correm vários boatos de
que eu vou ser a próxima editora chefe, graças a recomendação da atual. O que é
mais do que ótimo pra alguém que veio pra NYC com um diploma e um sonho.
Digo isso
pra mim quando saio da sala e vou em direção a contabilidade. No caminho
encontro algumas pessoas e digo "bom dia" pra elas, não recebendo
nenhum "feliz aniversário". Então eu encontro ele. Sozinho, numa
máquina de café pegando um pouco do tal.
- Hey. -
Ele diz quando me aproximo.
Sinto meu
rosto queimar e preciso engolir em seco. Me sinto com 12 anos outra vez quando
costumava sonhar com ele e tinha uma foto colada no meu diário.
- Oi. -
Digo mais baixo do que pretendia, começando a me sentir a garota mais estúpida
do mundo.
A questão
é: eu tô de frente para o homem dos meus sonhos desde que eu tinha 10 anos. Ele
era um ator de um filme que eu me tornei fã quando era criança. Eu nunca - eu
disse NUNCA - achei que o destino fosse fazer com que ele fosse ter que
trabalhar comigo. Ele é ator, não jornalista. Mas de uma forma ou de outra, por
algum motivo que eu nunca entendi, foi contratado pela própria editora chefe,
pra fazer uma matéria sobre antigos atores de filmes da Disney, o que me faz
ter que conviver com ele o tempo todo essa semana. E a pior parte é que eu
tenho a sensação de que ele está dando em cima de mim (mesmo sendo 11 anos mais
velho que eu), mas eu sempre tive essa sensação sobre garotos então
simplesmente não tenho como ter certeza. E dessa forma, eu fico quase desmaiando
todas as vezes que fico de frente pra ele.
- Feliz
aniversário. - Ele diz abrindo um sorriso tão perfeito quanto na foto do
diário.
Eu prendo
a respiração.
- Como
você sabe?
- Bem..
Talvez eu tenha pedido pra alguém do RH algumas informações sobre você..
Ok. Ele
definitivamente está dando em cima de mim.
- ... E
pra sua melhor amiga.
Eu quase
engasgo. De repente tenho certeza do que ela contou pra ele.
- Não
acredite em nada do que ela tenha dito. Ela diria qualquer coisa pra me
comprometer. - Digo rápido.
- Relaxa.
Ela disse que era pra eu fingir que não sabia que você é obcecada por mim desde
os 10 anos.
Me sinto
ficar vermelha como um pimentão, e imagens de formas de matar minha amiga
passam pela minha cabeça em sequencia. Mas quando abro a boca pra me defender,
ele interrompe:
- Mas
guarda um segredo? Eu sou obcecado por você desde a primeira vez que eu te vi
também.
Eu sinto
como se fosse desmaiar a qualquer minuto. A única coisa que consigo fazer é
encarar o chão, mas ele coloca o dedo embaixo do meu queixo e puxa pra cima, me
fazendo olhar pra ele e sorrir.
- Tem
planos pra essa noite?
- Não. -
Sussurro.
- Então
acho que não teria problema se eu te chamasse pra sair não é?
Eu prendo
a respiração outra vez.
- Claro
que não.
- Então
tudo bem.. Eu sei onde é seu apartamento. Te pego lá as sete. Não se atrase.
Então ele
beija minha bochecha e se afasta sorrindo. Então se vira e começa a andar pelo
corredor.
- E
falando nisso.. Eu já li a história que você escreveu sobre mim.
Quando o
serviço do dia termina, eu corro pra casa sem parar em lugar nenhum no caminho.
Mas assim que chego sou parada por minha amiga completamente histérica.
- EU
CONSEGUI! EU NÃO SEI COMO. EU... - Ela enxuga uma lágrima, mas mesmo a lagrima
estando lá, ela não para de sorrir. - Lembra que um dia você disse que eu nunca
devia parar de cantar, porque um dia o mundo realmente me ouviria? - Balanço a
cabeça. Eu sempre fui a maior fã dela - Eu estava cantando hoje no banco,
quando um cara me parou. Ele disse que era produtor musical e que tinha amado a
minha voz. É óbvio que na hora eu pensei que podia ser mentira, uma armação e
tudo isso que a gente já ouviu falar. Mas aí eu fui com ele andando até o
estúdio e pesquisei o nome dele na internet pelo celular. Ele produziu a
Beyoncé por um tempo! Eu gravei uma demo no estúdio, e agora querem que eu vá
pra L.A. assinar um contrato. EU CONSEGUI!
Eu fico
tão feliz por saber disso que começamos a pular pela casa, rindo e chorando ao
mesmo tempo.
- Eu
disse pra você que um dia você conseguiria. - Digo depois de um tempo me
jogando no sofá.
- Eu sei,
eu sei.. - Ela se senta ao meu lado - Nós precisamos sair para comemorar.
- Não
essa noite...
Ela olha
pra mim confusa, mas depois de um tempo parece entender e arregala os olhos.
- Vai
dizer que...?
- Aham.
Ela dá um
gritinho de felicidade que me faz revirar os olhos.
- Pra
onde vocês vão?
- Não
sei, ele só disse que me buscaria as sete.
- São tipo,
cinco e meia agora, o que você ainda tá fazendo sentada nesse sofá?
Eu
resmungo e me levanto indo direto pro banho. Aproveito pra fazer alguns dos
rituais de beleza que eu geralmente não gosto de fazer. Eu sempre vi a hora do
banho como um momento de relaxamento, então qualquer tipo de ritual de banho
exagerado, como óleos de banho, hidratação no cabelo e etc, são deixados apenas
para raríssimas ocasiões. Saio do banho meia hora depois, e enrolo uma toalha
no cabelo e outra no corpo. Então antes de ir para o quarto, paro na frente do
espelho e faço uma maquiagem demorada, o que é muito mais do que o que eu posso
dizer de qualquer dia do ano, já que eu nunca uso maquiagem, por ter preguiça
de tirar e isso ser ruim pra minha pele. Eu só tenho um kit de maquiagem pra
emergências.
Saio do
banheiro e me enfio no closet tentando decidir que roupa eu vou usar. Acabo
escolhendo um vestido azul noite e um casaco levinho. Calço uma sandália de
salto e coloco brincos em forma de cristais. Depois solto meu cabelo e uso o
secador pra organizar os cachos, ficando então finalmente pronta, 20 minutos
antes das sete.
- Uau. -
Diz minha amiga quando eu vou pra sala - Você conseguiu ficar perfeita.
-
Obrigada. - Respondo sorrindo.
Então me
sento no sofá e ligo a TV. Fico mudando de canal várias e várias vezes, até que
as sete em ponto ele chega.
São quase
meia-noite agora o que significa que meu aniversário está acabando. Sinto o
vento empurrar meus cabelos para trás e jogo o peso de um pé para o outro me
apoiando na grade da varanda de um daqueles restaurantes que ficam no alto de
um arranha céu. É esse o lugar onde ele decidiu me levar. E acho que não
poderia ter feito escolha melhor.
Ele volta
do banheiro e se coloca ao meu lado então ficamos juntos olhando a cidade. Eu
sempre tive medo de altura, mas essa noite sinto como se não existisse nenhum
outro lugar onde eu queria estar que não fosse o topo de Nova York, observando
de cima as suas luzes. Só de imaginar o número de pessoas lá embaixo, o número
de sonhos que como os meus e de minha amiga se realizaram na cidade hoje, eu
sinto como se nada fosse impossível. Eu não tenho medo de cair porque sinto que
se me jogasse dali, eu flutuaria como uma pena. Eu finalmente sinto como se fizesse
parte de alguma coisa. Sei que pertenço a esse lugar. E quando o
vento bate no meu rosto de novo, é como se a cidade sussurrasse: "Todos os
seus sonhos se realizarão essa noite".
1 Comentários
Owwn, que lindoo!! Adorei o conto *u* *u* Vc tem que escrever mais *u*
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