Ora, ora, olá mundo! Tô pensando em fazer essa história de dois posts no ano novo uma tradição, porque né. Este post devia ter saído, tipo, sábado, mas muita coisa aconteceu e só pode sair hoje. Eu precisei postar o conto - que deveria ter saído no Especial de Inverno, mas especiais no blog jamais saem em dia e essa é outra tradição - porque tinha prometido que o post 250 seria um conto.
Esta noite, depois das 22h e antes das 00h tem um post que é "Extra" do Diário de Bordo e não uma parte em si que inclui retrospectiva, resumo da última semana do ano e finalmente - FINALMENTE - os planos para o blog em 2014. Por enquanto eu só queria que vocês lessem, comentassem e compartilhassem o conto, porque eu ainda quero tentar chegar à 20 mil visualizações hoje, mesmo que seja quase impossível. Boa leitura.
O
caso do namorado superprotetor
Ella se
sentia cansada. Mais uma vez seus pais tinham gritado por quase uma hora ao ver
a marca que Bob deixara em seu pulso após a última briga. Ele apareceu no
trabalho para buscá-la, mesmo que ela tenha implorado para que ele não fizesse
isso. Seu chefe odiava o olhar que Bob lançava a todos os clientes masculinos
da lanchonete e chamaria novamente a atenção dela por isso amanhã.
Sua
repulsa por Bob aumentara a ponto de Ella esquecer tudo que tinha feito com que
ela o amasse um dia. Ele tinha afastado todos os seus amigos, a feito abandonar
seus maiores sonhos e deixado todos os ambientes que ela frequentava
diariamente tóxicos e inabitáveis. Uma sensação nauseante tomava conta dela
quando se dava conta de que não tinha como fugir. Não conhecia outra vida além
de Savannah. Até a faculdade que frequentava era a local. E Bob era um dos
príncipes de Savannah: seu pai era dono de uma rede de restaurantes que começou
na cidade e se espalhou por toda costa leste. No momento em que seus olhos
cinzentos se cruzaram com os azuis de Ella pela primeira vez, o destino dela
estava traçado. Ella pensava nisso com amargura. Tinha sido tão boba. Se o
ignorasse, como suas amigas haviam feito, estaria livre agora. Provavelmente em
Nova York estudando moda.
Enquanto
andava pelo quarto esfregando os pulsos, ela percebeu uma sombra embaixo do
poste do outro lado da rua. Reconheceu o casaco de Bob. A sensação nauseante a
dominou novamente. Será que ele não a deixaria em paz nem por um segundo agora?
Ela não temia nada mais do que um pedido de casamento e essa possibilidade
parecia se esgueirar entre eles todas as vezes em que ele estava por perto...
Assim como uma outra sombra se esgueirava no jardim de seu vizinho da frente.
Bob não
podia ver a figura se movendo calmamente, mas Ella sentiu um arrepio. A pessoa
se aproximou um pouco mais do poste e Ella notou que um cabelo volumoso estava
preso dentro de algo. A cena seguinte aconteceu muito rápido. Uma faca brilhou
e então Bob estava caído no chão, o casaco da USC ficando escura.
E Ella
gritou.
Charlie
saltou da cama e chutou seus tênis para debaixo dela. Arrancou as roupas com as
quais tinha dormido, mesmas roupas que tinha usado na noite anterior. Se jogou
no chuveiro e tomou um banho tão gelado quanto possível. Era inverno no sul e
isso significava muito frio e ventania, mas Charlie mal sentia. Gostava de
sentir o frio contra a pele. Fosse na ducha, fosse na praia ou andando de
skate, o frio a fazia se sentir viva. Ninguém entendia como ela conseguia
suportar tudo aquilo. Devia ter algo a ver com o cabelo.
Ao sair do
banho, Charlie colocou um vestido florido e enfiou o boné verde no meio dos
cachos vermelhos. Então, pegou o celular e ligou para Marielle. Deu na caixa
postal.
- Acorda,
sua inútil. São quase 11h da manhã e se você não estiver na praia em duas horas
eu faço alguma coisa bem idiota, tipo entrar no mar completamente nua.
Depois de
um momento de indecisão, saiu recolhendo as embalagens de biscoito entre outros
lixos espalhados pelo quarto e finalmente desceu até a cozinha para tomar café.
Foi só quando ia em direção à garagem buscar seu skate para ir à praia que
ouviu vozes vindas da biblioteca do pai.
- É o
sétimo caso, mesmo modus operandi.
Namorado morto com a garganta cortada na frente da namorada durante a noite. Os
parentes dizem que o relacionamento era tempestuoso e repetem a história de que
os namorados eram bem violentos e possessivos. É um padrão. E o assassino
serial conhece as vítimas.
Isso fez
com que Charlie abrisse um sorriso. Tirando o boné da cabeça, ajeitou os cachos
bagunçados e fez sua melhor cara de “anjinho do papai”. Abriu as portas da
biblioteca como um furacão fazendo com que os dez policiais presentes se
virassem de repente para olhá-la.
– Bom dia Bill, Jack, Jonnhy, Stewart, Louis, Mike,
Tobby, Jeff, Detetive Biggs, papai. Como
andam as investigações?
O detetive
Biggs foi o primeiro a se recuperar do susto.
- Bom dia,
Charlotte, ainda acompanhado tudo pela TV? – Ele disse com a voz grave, olhando
os olhos verdes de Charlie com superioridade.
O detetive
era um policial formado há pouco tempo, nascido e criado em Nova York. Acabou
vindo para a terra natal dos pais quando a mãe adoeceu e quis morar em um lugar
mais calmo e em Savannah tinha se tornado detetive. Esse era seu primeiro caso
notório, depois de só ter investigado roubos.
Charlie o
odiava.
Como filha
do delegado da central de investigações criminais de Savannah, Charlie tinha crescido
em meio a investigações criminais. O primeiro caso sério que se lembrava havia
sido uma chacina na periferia da cidade. 5 garotas mortas em uma festa do
pijama. Charlie tinha 11 anos. Ela se lembrava de ter apostado com os colegas
de turma que o assassino seria o tio maluco de uma das garotas assassinadas.
Ela acertou. Quando fez 15 anos, seu pai começou a lhe pedir conselhos sobre os
casos. Charlie entendia a mente dos assassinos de uma forma que poucos
detetives da cidade entendiam. Agora aos 18, ela sabia que conhecia muito mais
sobre crimes em Savannah do que aquele nova-iorquino de nariz empinado que
tinha um teste de QI emoldurado e pendurado na sala.
- E na
internet. E em fontes que você não faz a mínima ideia da existência. – Charlie
respondeu sustentando o olhar. – Todo mundo tem falado da assassina de
namorados superprotetores.
- Charlie!
– Seu pai chamou, meio encabulado.
- Papai!
Imagino que precise de ajuda nesse caso.
- Não,
querida, a equipe do detetive Biggs é muito competente. Prefiro que se dedique
a outras coisas, até porque, está de férias.
O sorriso
que o detetive abriu fez a pele de Charlie fervilhar.
- Tudo
bem. Espero que a competência do detetive Biggs fique comprovada nesse caso.
Sem se
despedir, ela fechou as portas com o mesmo furacão da entrada. Foi direto a
garagem e pegou seu skate, indo para a praia.
Com o uso
do feminino, Charlie tinha soltado uma pista de algo que a polícia ainda não
tinha percebido. O modus operandi
aponta mulher de uma forma gritante. Mesmo que os caras fossem fortes e
perigosos e que facas sejam armas masculinas. Na verdade, isso é uma visão mais
do que ultrapassada. Os assassinatos foram cometidos de uma forma inteligente e
limpa. Um corte da direita para esquerda, feito por trás, exatamente sobre a
traqueia. Uma assassina canhota com uma faca própria para seu uso. Os cortes
eram tão limpos que se a assassina fosse esperta nem teria sangue nas roupas. E
a assassina era esperta.
O primeiro
crime aconteceu em frente à universidade comunitária. A garota estava fazendo
sua caminhada com raiva depois de uma briga séria com o namorado quando ouviu
um barulho. Se virou a tempo de ver o garoto caindo e o sangue esguichando para
todos os lados.
O segundo
foi na praia. Durante uma festa um garoto saiu puxando a namorada pelo braço.
Foi atacado por uma sombra que surgiu por trás de uma das dunas, a assassina
usava um capuz e estava muito escuro, por isso a namorada não pode ver seu
rosto mesmo estando de frente a ela. Ou é o que ela diz.
O terceiro
foi em um hotel. Um ex-namorado psicótico perseguindo a namorada que veio
passar o Natal com os pais, foi morto e jogado em uma piscina. A garota, que
tinha ido resolver o relacionamento deles de uma vez por todas, viu tudo de trás
de portas de vidro que levavam até a piscina.
O quarto e
o quinto foram em um baile de inverno. Dois garotos estavam tentando forçar
suas namoradas atrás do ginásio, quando uma sombra esguia os matou sem tocar as
garotas, mas as deixando cheias de sangue.
O sexto
foi em uma casa abandonada. Um passante ouviu barulhos e encontrou o casal
desacordado no chão coberto de sangue. Ele morto, ela desmaiada e em choque. Ela
agora está no hospital e não se lembra de nada.
E três
dias antes, o sétimo. O único que representava alguma coisa para as autoridades
da cidade. Bob Jackson Jr. era filho do dono do Jack’s Tart uma rede de
restaurantes nascida em Savannah e um dos maiores orgulhos da cidade. O pai de
Bob cobrava uma solução rápida da polícia, que corria como galinhas sem cabeça,
não vendo pistas que estavam bem à sua frente.
Babacas.
Menos o
pai de Charlie, é claro.
- Oi,
Elle. – Charlie disse, chegando a praia e colocando o skate sob o braço ao ver
Marielle parada na calçada da orla, esperando sua chegada – Chegou cedo.
- Qual o
motivo da ameaça, Studders?
Charlie
riu. Marielle tinha sido presa por nadar pelada em uma piscina pública no verão
e foi graças ao fato de o pai de sua melhor amiga ser o delegado que ela foi
liberada sem complicações, mas não sem um longo sermão do Delegado Studders.
Agora sempre que Charlie queria provocá-la dizia que ia nadar pelada.
- Eu só
queria passar um dia com você, não posso?
- Pode,
mas podia passar lá em casa ao invés me fazer vir até aqui nesse frio “gelante”.
-
Enregelante, Marielle. E nem tá tão frio assim.
- Você não
sente porque tem o corpo fechado. Coisa de ruiva.
Charlie
ergueu uma sobrancelha.
- Ruivas
têm corpo fechado?
- Aham,
porque ruivas são criaturas do demônio.
- Então,
porque você é minha amiga?
-
Excelente pergunta. Porque eu sou amiga de uma pessoa que me faz vir a praia no
meio do inverno na Geórgia mesmo sabendo da noite que eu tive ontem?
- Porque
eu sou uma criatura do demônio e te enfeiticei. Mas eu não sei da noite que
você teve ontem.
Marielle
sorriu e começou a andar pela calçada. Charlie a seguiu.
- Lucas e
eu fomos para uma festa. Eu fiquei tão alta que tive que ir pra casa dele. Você
pode imaginar o que aconteceu depois.
Charlie
fez uma careta. Não gostava de Lucas. Não gostava da sua constante mania de
embebedar ou drogar Marielle. E não gostava da forma como ele a tratava quando
ela estava sóbria. Mas Elle entendeu a careta de forma errada.
- Não é só
porque você é a reencarnação, Madre Teresa de Calcutá que eu deveria ser tão
santa quanto, Studders.
- Não é
isso. Eu só não entendo porque você precisa de tantas drogas e sexo.
- Porque é
bom, me relaxa, me faz esquecer os problemas. – Elle disse carrancuda.
Charlie
encarou a amiga.
Ela
conhecia Marielle desde que entrou no ensino médio. Foram parceiras em biologia
e acabaram virando melhores amigas do tipo que ficam juntas o tempo todo. Antes
disso, Charlie era bem sozinha. Ela podia fazer parte da realeza estudantil
(junto com Bob Jackson e outros idiotas) se quisesse, mas preferia se manter
longe. Sempre teve uma personalidade estranha. A mania de se sentar sozinha no
balanço no meio do frio intenso do inverno afastava as crianças. A mania de
falar sobre os assassinatos como se fossem nada afastava os pré-adolescentes. E
o fato de ter desprezado todos os garotos que a chamaram para sair durante a
escola, afastava os adolescentes. Claro que mesmo afastados, ninguém nunca
paravam de falar sobre ela.
Marielle
nunca se importou com nada disso. Filha do meio em uma família de 5, os pais
raramente prestavam atenção nela ou que ela fazia. Era medíocre na escola,
tirando notas aceitáveis, mas não participando de nenhum clube, e nem conseguiu
entrar na faculdade. Se vestia de forma simples e delicada. Era só uma em meio
a multidão. Menos quando estava com Charlie. Era impossível não prestar atenção
nos cabelos ruivos raramente penteados de Charlie. Ou nos vestidos coloridos e
simples que ela usa faça chuva ou faça sol. Ou na postura de Charlie andando
com o skate embaixo do braço ou desfilando descalça por aí. Charlotte Studders
era a perfeita imagem da linda garota misteriosa que todos queriam ter, mas ninguém
podia. Perto dela, Marielle vivia numa sombra. Mas aquilo era o mais perto do
sol que ela já tinha chegado.
- Tudo
bem, Elle, não fique brava. Eu só queria que você tomasse cuidado.
Marielle
finalmente olhou nos olhos de Charlie e sua carranca desapareceu.
- Eu sei
cuidar de mim, Char. Não precisa ser a filha do delegado o tempo todo.
Charlie
suspirou e balançou a cabeça, concordando. As duas andaram até o píer, mudando
de assunto.
- Você
ouviu alguma novidade sobre a morte de Bob? – Marielle perguntou.
- Você
quer dizer sobre a morte dos sete garotos.
- Sim. –
Ela revirou os olhos – Mas você sabe que isso só ficou interessante depois que
Bob morreu.
- Não entendo
porque, acho que ele é um dos caras que menos faz falta para a cidade.
- Charlie,
todo mundo sabe que você achava Bob um babaca, e ele era, mas era um babaca
popular, então ninguém se importa com a sua opinião. Responde a minha pergunta.
Charlie bufou.
- A
polícia não faz ideia de quem é o assassino.
- Jura?
Nem uma lista de suspeitos?
- Não,
tudo que eles tem é a motivação e o fato de que o assassino é canhoto. Nem
chegaram à conclusão de que era uma garota ainda. Eu acho que se as mortes
pararem, é possível que esse caso seja arquivado e quando eu me formar vou
reabri-lo e solucioná-lo.
Mas
Marielle não estava mais ouvindo.
- Eu acho
que foi uma das namoradas. – Disse, ao chegarem ao píer.
- O que?
- Pois é.
Quem tem motivos melhores pra matar todos eles do que as namoradas?
- Foram
sete assassinatos, Elle. Você acha mesmo que alguém teria tanta raiva do
namorado que o mataria e depois mataria outros seis caras simplesmente porque
agem como ele?
- Claro,
não é isso que chamam de crime passional?
- Não...
- De
qualquer forma, eu realmente acho que foi a namorada nº 6. Não engulo ela ter
esquecido de tudo. Prefiro acreditar que ela treinou, treinou e depois de ter
alcançado o ponto máximo ao matar dois caras ela tomou coragem e matou o
namorado. E como seis não é um número legal, ela fechou a série de assassinatos
com chave de ouro ao matar Bob Jackson. É coincidência demais ela ter saído do
hospital no dia da morte de Bob.
- Sua
teoria é melhor do que a da polícia...
Isso fez
Marielle se animar.
- É só uma
das possibilidades, ainda existem as outras namoradas. Todas podem ter feito
isso, por motivos diferentes. Quer dizer, ninguém sabe o que se passa na cabeça
das pessoas né?
- É,
ninguém... Deixe-me mostrar o erro na sua teoria: nenhuma das namoradas é
canhota.
-
Drooooooga! Eu esqueci essa parte. Você tem certeza, absoluta, de que a
assassina é canhota?
- Sim, de
acordo com a direção dos cortes nos corpos.
Marielle
bufou e pegou o celular no bolso.
- Eu sou
pior que o Detetive Biggs solucionando um crime. Pelo menos, eu não sou paga
para isso. – Disse, digitando um número.
- Para
quem você está ligando?
- Lucas.
Eu preciso de uma bebida depois desse papo sobre assassinatos.
-
Marielle...
- O que? –
Colocou o telefone no ouvido e encarou Charlie – Ah, por favor, não cite o
código penal para mim agora. Eu quero me divertir. E você deveria fazer o mesmo
e aproveitar suas férias.
- Eu me
divirto, sóbria mesmo.
Nesse
momento, Lucas atendeu ao telefone então tudo que Marielle fez foi dar língua
para a amiga.
- Oi,
baby... – Disse se levantando.
Charlie
não chegou ao ouvir o resto. Ficou batucando no skate enquanto esperava amiga
terminar de falar ao telefone. Quando ela o fez, puxou seu cabelo para fazê-la
levantar.
- Nós
vamos a uma festa!
- Nós? –
Charlie perguntou, arrumando o vestido no corpo.
- É
Charlie, vai ser no barco de Vincent, você precisa ir.
Charlie
respirou fundo e agiu como se estivesse pensando.
- Nunca,
jamais, nem em um milhão de anos! – Disse, finalmente se virando para sair do
píer.
-
Charlie...
- Não diga
o meu nome. E eu nunca iria para uma festa de Lucas.
- Mas eu
preciso da minha melhor amiga comigo para me apoiar.
- Eu nem
sei porque diabos você vai para essa festa, você fica enjoada em barcos.
- E daí? Vai
ter tanta coisa lá que eu iria acabar vomitando de qualquer jeito.
- Ótimo
trabalho me convencendo a ir para a festa, Elle.
Charlie
tomou a dianteira e colocou o skate no chão para deixar a amiga falando
sozinha, mas Marielle a parou.
- Charlie,
por favor, nós mal temos passado tempo juntas essas férias e você sabe como
Lucas fica quando eu não vou para uma das festinhas dele. Por favor? Vai ser
divertido. E nós podemos almoçar no restaurante do pai de Bob antes de ir. Você
pode recolher mais informações sobre os assassinatos.
Charlie
bufou e pegou o skate antes de se virar.
- Eles
realmente me querem lá? Eu sou filha do delegado e vai ter muitas drogas.
- Lucas
não liga. E ele nunca é pego.
- Certo,
mas eu não vou usar nada.
- Nem
precisa.
- Ok.
Vamos almoçar.
Depois de
almoçar, Charlie e Marielle seguiram para as docas. Elle falava o tempo todo
sobre o namorado enquanto Charlie revirava os olhos consecutivas vezes. Não era
só porque odiava Lucas, ela nunca entendeu porque as pessoas falavam tão
efusivamente sobre seus namorados e namoradas. Nossa, você tem um
relacionamento! Legal, mas isso devia ficar entre você e ele (ou ela).
Charlie
podia soar como uma velha amargurada, mas não é como se ela nunca tivesse
namorado. Ela namorou, alguns anos antes. O cara era filho de um pescador e se
chamava Nicolas. Eles viviam grudados, mas o pai dela odiava isso. Charlie se
sentia dividida entre o único cara que já tinha mexido com ela e seu pai, o
homem que mais amava e que a tinha criado. Tudo que se sabe é que a única coisa
que sobrou de Nicolas foi o boné verde que de certa forma virou uma marca
registrada de Charlie. Ela usava o tempo todo... Mas não estava usando agora.
- Charlie!
– Marielle exclamou parando na entrada do barco – Você está sem boné.
Charlie
congelou. Por um instante ficou em pânico, mas então se sentiu boba por ficar
assustada. Era só um boné. Um amuleto talvez, mas só um boné. Tentou se lembrar
da última vez que tinha visto.
- Esqueci
na mesa da sala, eu acho. Tudo bem.
- É só
estranho te ver sem ele. E eu nem percebi que você estava sem quando chegou à
praia.
- Bem, eu
não posso ficar com ele na faculdade, então já me acostumei.
- ELLE! –
Lucas gritou, quando elas entraram no barco. Puxou Marielle pela cintura e já
entregou uma lata de cerveja para ela. – Charlotte. Finalmente tomou coragem de
vir se divertir?
Ele
esticou a mão para tentar apertar a bochecha de Charlie, mas ela bateu na mão
dele, como se para afastar um mosquito.
- Charlie!
– Marielle gritou, arregalando os olhos de revolta.
- Eu vim
por Marielle, e vou embora assim que escurecer. – Disse simplesmente, cruzando
os braços.
Lucas riu.
- Relaxa
um pouco, Studders. Coloca esse skate lá dentro e depois pega alguma coisa pra
beber.
Charlie
simplesmente ficou parada, braços cruzados com o skate contra o peito e maxilar
cerrado. Então Elle implorou com o olhar, e ela girou os tornozelos, se
dirigindo para a cabine do barco. Escondeu o skate e os sapatos embaixo de um
banco e voltou para o lado de fora, se sentando na beirada do barco, com as
pernas fora da água.
Passou o resto do tempo ali e duvidava que
Marielle ou qualquer um tivesse dado sua falta. Quem passava por ali, estava
bêbado demais para se importar ou sóbrio demais para ter coragem de falar com
Charlotte Studders e quem não a conhecia só precisava de um "cai
fora" dito através aqueles olhos verdes para não puxar papo.
Simplesmente
não conseguia tirar o caso da cabeça. Ele a assombrava e a perseguia. Sabia o
que era o certo a fazer, mas ninguém a escutaria. O novo detetive acabara com a
reputação que Charlie tinha na polícia local e agora ela só podia resolver o
crime como queria quando terminasse o curso. Aquilo a perseguiria pelos
próximos 3 anos e meio.
Em um
momento, Lucas apareceu e se sentou ao lado dela. O único corajoso, ou maluco
suficiente para falar com Charlie quando uma tempestade estava sobre a cabeça
dela.
- Não vai
beber mesmo, cara?
- Não,
cara, eu não vou.
- Porque,
cara? - Ele perguntou bêbado o suficiente para achar a brincadeira engraçada.
- Porque
não.
- Então
porque você tá aqui?
- Por
causa de Marielle.
- Você não
vê Marielle há horas, e ela não falou com você. Talvez o verdadeiro motivo seja
eu.
Charlie se
levantou, se afastando dele.
- Se você
me dá licença eu vou enfiar brasas do meus olhos para tirar essa imagem da
cabeça.
Lucas riu
e se levantou junto.
- Não
precisa esconder o que sente sobre mim, querida.
- Nunca
escondi, você me dá nojo.
- Marielle
não está aqui, Charlie, você pode fazer o que quiser comigo.
A luz já
começava a diminuir, principalmente naquele lado do barco, Charlie não
conseguia ver bem o rosto de Lucas, mas sabia de quem era a sombra atrás dele.
Pensou que agora era a hora de fazer alguma coisa.
- Então,
você acha que pode namorar minha melhor amiga e se insinuar para mim sem que eu
vomite na sua cara arrogante?
- Elle não
importa pra mim. Ela é só um brinquedinho sabe, enquanto eu não faço nada. Eu
tenho planos sabe, não quero ser um desses caras bêbados que vive em festas
pelo resto da vida. Isso é temporário. Talvez namorar a filha do delegado me
ajude a mudar de vida.
Charlie
teve um flashback ao ouvir essas palavras. Olhou para Marielle e sabia que ela
já tinha ouvido o suficiente também. Se virou e deixou o barco sem dizer uma palavra.
Foi
acordada na madrugada do dia seguinte, com a voz do pai e uma chacoalhada
violenta nos ombros.
- Acorde,
Charlie!
Com o
susto ela não precisou de muito tempo para estar completamente acordada.
- O que? –
Perguntou, arregalando os olhos - O que aconteceu?
- Preciso
que você vá à praia comigo. O namorado de Marielle foi morto ontem a noite.
Em um
salto ela levantou da cama e calçou o tênis.
- Namorado
superprotetor?
- Sim. Sei
pouco sobre tudo, mas Marielle afirmou que você estava na mesma festa um pouco
mais cedo. – A gravidade na sua voz previa bronca - A festa tinha drogas e
bebida, Charlie, você estava mesmo lá?
- Eu fui
por Marielle, pai, sinto muito. Acho que esperava impedi-la de fazer besteira.
Ele
relaxou.
- Ela viu
tudo, querida. Precisa de seu apoio agora.
Charlie
estava em pé e pronta para ir e pela primeira vez sentiu um arrepio de frio na
espinha.
- Vamos? -
O delegado perguntou.
- Vamos.
Deixaram a
casa com uma tensão silenciosa, encontrando o detetive na porta de casa. Biggs
saldou os dois, mas Charlie o ignorou propositadamente. Nas docas, encontrou a
amiga encostada em uma viatura, envolvida em uma colcha de retalhos e abraçada
a mãe.
- Minha
menininha. Eu sinto tanto, sinto tanto. - Sua mãe dizia a voz envolvida em
lágrimas enquanto a abraçava.
Marielle
chorava copiosamente, com os olhos inchados e um cheiro horrível que era
sentido há passos de distância.
- Char! -
Gritou ao vê-la, ainda chorando.
Charlie a
abraçou.
- Eu sinto
muito. - Disse de uma forma assustada e completamente falsa.
Não sentia
muito. Não sentia muito por nenhuma das meninas cujos namorados foram mortos.
Marielle respirou fundo em meio ao choro.
- Você é a
única que pode ajudar, Char. A única que pode fazer a assassina pagar por isso,
você precisa ajudar a polícia. Por favor.
Charlie se
afastou e olhou nos olhos escuros de Marielle. Sua amiga não sabia de nada, mas
confiava nela.
- Eu vou
fazer, por você.
No fim
daquela tarde, depois de deixar a amiga sob a proteção dos pais, Charlie pediu
ao próprio detetive Biggs que reunisse todos os investigadores do caso em uma
sala. Depois de pensar muito pelo dia, ela finalmente sabia... O certo fazer
para terminar aquilo.
Todos os
olhares estavam nela. Todos pareciam entediados. O próprio detetive só tinha
concordado com o encontro para poder dar fim a suas interrupções de uma vez por
todas. Ela respirou fundo e começou.
- Fui eu.
É óbvio
que ninguém acreditou nela. A confusão tomou conta da sala.
- Eu sou a
assassina d'O Caso do Namorado Superprotetor.
-
Charlie... - Seu pai começou.
Charlie
foi forçada a explicar.
- Eu tive
um namorado superprotetor uma vez. Apesar do termo certo ser
"obsessivo". Ele não me deixava respirar e queria me forçar a mudar.
Depois descobri que ele só saia comigo para ter ascensão social. Um belo dia
ele me ameaçou com uma faca, acabou me causando um corte na barriga e depois de
uma briga eu o matei. Legítima defesa, mas por algum motivo, eu gostei e peguei
meu primeiro souvenir. O boné. Assim que soube que minha melhor amiga tinha se
envolvido com um cara assim, resolvi bancar a justiceira.
"O
primeiro foi o namorado de uma amiga da faculdade. Ele estava tentando
convencer ela a deixar a faculdade e ir com ele para Los Angeles. Ela não
queria, mas ele a convencia cada vez mais. Depois que ele morreu, ela pegou o
diploma. Conseguiu um emprego na cidade.
"O
segundo foi o caso da praia. O cara a agrediu. A socou três vezes. Depois que
ele morreu, ela conheceu um cara novo, está apaixonada e feliz agora.
"O
terceiro planejava matá-la por ciúmes.
"O
quarto e o quinto, casos de estupro.
"No
sexto, ele a havia sequestrado.
"A
sétima também havia sido agredida. Tinha perdido tudo que acreditava e iria ser
expulsa de casa a qualquer hora. Agora ela voltou a faculdade e vai seguir a
carreira que sonhou.
"E
por último livrei minha amiga daquilo tudo. Eu não queria ter ido tão longe e
traumatizar Marielle, mas ele se insinuou para mim. Para mim! Agora Marielle
fez as pazes com os pais e em breve estará cheia de planos para o futuro.
"Eu
sei que o decepcionei, pai, e sei que vocês me veem diferente agora. Mas eu
tinha planos de me entregar. Ou de ser descoberta. Quando o detetive bancou o
sabichão, eu decidi que só faria isso quando eu me formasse, para mostrar o
quanto teria sido fácil resolver isso tudo. Eu não parava de falar sobre a
assassina canhota e todas as outras coisas que apontavam para mim e ninguém
percebeu. Provavelmente, ainda não acreditam, mas eu tenho uma lista de provas
irrefutáveis.
"Eu
estou pronta para ser julgada. Só gostaria de acrescentar que, do meu ponto de
vista, eu não tirei 8 vidas. Eu salvei outras oito."
G.
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