Ora, ora, olá mundo! Tô pensando em fazer essa história de dois posts no ano novo uma tradição, porque né. Este post devia ter saído, tipo, sábado, mas muita coisa aconteceu e só pode sair hoje. Eu precisei postar o conto - que deveria ter saído no Especial de Inverno, mas especiais no blog jamais saem em dia e essa é outra tradição - porque tinha prometido que o post 250 seria um conto.
Esta noite, depois das 22h e antes das 00h tem um post que é "Extra" do Diário de Bordo e não uma parte em si que inclui retrospectiva, resumo da última semana do ano e finalmente - FINALMENTE - os planos para o blog em 2014. Por enquanto eu só queria que vocês lessem, comentassem e compartilhassem o conto, porque eu ainda quero tentar chegar à 20 mil visualizações hoje, mesmo que seja quase impossível. Boa leitura.

O caso do namorado superprotetor

Ella se sentia cansada. Mais uma vez seus pais tinham gritado por quase uma hora ao ver a marca que Bob deixara em seu pulso após a última briga. Ele apareceu no trabalho para buscá-la, mesmo que ela tenha implorado para que ele não fizesse isso. Seu chefe odiava o olhar que Bob lançava a todos os clientes masculinos da lanchonete e chamaria novamente a atenção dela por isso amanhã.
Sua repulsa por Bob aumentara a ponto de Ella esquecer tudo que tinha feito com que ela o amasse um dia. Ele tinha afastado todos os seus amigos, a feito abandonar seus maiores sonhos e deixado todos os ambientes que ela frequentava diariamente tóxicos e inabitáveis. Uma sensação nauseante tomava conta dela quando se dava conta de que não tinha como fugir. Não conhecia outra vida além de Savannah. Até a faculdade que frequentava era a local. E Bob era um dos príncipes de Savannah: seu pai era dono de uma rede de restaurantes que começou na cidade e se espalhou por toda costa leste. No momento em que seus olhos cinzentos se cruzaram com os azuis de Ella pela primeira vez, o destino dela estava traçado. Ella pensava nisso com amargura. Tinha sido tão boba. Se o ignorasse, como suas amigas haviam feito, estaria livre agora. Provavelmente em Nova York estudando moda.
Enquanto andava pelo quarto esfregando os pulsos, ela percebeu uma sombra embaixo do poste do outro lado da rua. Reconheceu o casaco de Bob. A sensação nauseante a dominou novamente. Será que ele não a deixaria em paz nem por um segundo agora? Ela não temia nada mais do que um pedido de casamento e essa possibilidade parecia se esgueirar entre eles todas as vezes em que ele estava por perto... Assim como uma outra sombra se esgueirava no jardim de seu vizinho da frente.
Bob não podia ver a figura se movendo calmamente, mas Ella sentiu um arrepio. A pessoa se aproximou um pouco mais do poste e Ella notou que um cabelo volumoso estava preso dentro de algo. A cena seguinte aconteceu muito rápido. Uma faca brilhou e então Bob estava caído no chão, o casaco da USC ficando escura.
E Ella gritou.

Charlie saltou da cama e chutou seus tênis para debaixo dela. Arrancou as roupas com as quais tinha dormido, mesmas roupas que tinha usado na noite anterior. Se jogou no chuveiro e tomou um banho tão gelado quanto possível. Era inverno no sul e isso significava muito frio e ventania, mas Charlie mal sentia. Gostava de sentir o frio contra a pele. Fosse na ducha, fosse na praia ou andando de skate, o frio a fazia se sentir viva. Ninguém entendia como ela conseguia suportar tudo aquilo. Devia ter algo a ver com o cabelo.
Ao sair do banho, Charlie colocou um vestido florido e enfiou o boné verde no meio dos cachos vermelhos. Então, pegou o celular e ligou para Marielle. Deu na caixa postal.
- Acorda, sua inútil. São quase 11h da manhã e se você não estiver na praia em duas horas eu faço alguma coisa bem idiota, tipo entrar no mar completamente nua.
Depois de um momento de indecisão, saiu recolhendo as embalagens de biscoito entre outros lixos espalhados pelo quarto e finalmente desceu até a cozinha para tomar café. Foi só quando ia em direção à garagem buscar seu skate para ir à praia que ouviu vozes vindas da biblioteca do pai.
- É o sétimo caso, mesmo modus operandi. Namorado morto com a garganta cortada na frente da namorada durante a noite. Os parentes dizem que o relacionamento era tempestuoso e repetem a história de que os namorados eram bem violentos e possessivos. É um padrão. E o assassino serial conhece as vítimas.
Isso fez com que Charlie abrisse um sorriso. Tirando o boné da cabeça, ajeitou os cachos bagunçados e fez sua melhor cara de “anjinho do papai”. Abriu as portas da biblioteca como um furacão fazendo com que os dez policiais presentes se virassem de repente para olhá-la.
– Bom dia Bill, Jack, Jonnhy, Stewart, Louis, Mike, Tobby, Jeff, Detetive Biggs, papai. Como andam as investigações?
O detetive Biggs foi o primeiro a se recuperar do susto.
- Bom dia, Charlotte, ainda acompanhado tudo pela TV? – Ele disse com a voz grave, olhando os olhos verdes de Charlie com superioridade.
O detetive era um policial formado há pouco tempo, nascido e criado em Nova York. Acabou vindo para a terra natal dos pais quando a mãe adoeceu e quis morar em um lugar mais calmo e em Savannah tinha se tornado detetive. Esse era seu primeiro caso notório, depois de só ter investigado roubos.
Charlie o odiava.
Como filha do delegado da central de investigações criminais de Savannah, Charlie tinha crescido em meio a investigações criminais. O primeiro caso sério que se lembrava havia sido uma chacina na periferia da cidade. 5 garotas mortas em uma festa do pijama. Charlie tinha 11 anos. Ela se lembrava de ter apostado com os colegas de turma que o assassino seria o tio maluco de uma das garotas assassinadas. Ela acertou. Quando fez 15 anos, seu pai começou a lhe pedir conselhos sobre os casos. Charlie entendia a mente dos assassinos de uma forma que poucos detetives da cidade entendiam. Agora aos 18, ela sabia que conhecia muito mais sobre crimes em Savannah do que aquele nova-iorquino de nariz empinado que tinha um teste de QI emoldurado e pendurado na sala.
- E na internet. E em fontes que você não faz a mínima ideia da existência. – Charlie respondeu sustentando o olhar. – Todo mundo tem falado da assassina de namorados superprotetores.
- Charlie! – Seu pai chamou, meio encabulado.
- Papai! Imagino que precise de ajuda nesse caso.
- Não, querida, a equipe do detetive Biggs é muito competente. Prefiro que se dedique a outras coisas, até porque, está de férias.
O sorriso que o detetive abriu fez a pele de Charlie fervilhar.
- Tudo bem. Espero que a competência do detetive Biggs fique comprovada nesse caso.
Sem se despedir, ela fechou as portas com o mesmo furacão da entrada. Foi direto a garagem e pegou seu skate, indo para a praia.
Com o uso do feminino, Charlie tinha soltado uma pista de algo que a polícia ainda não tinha percebido. O modus operandi aponta mulher de uma forma gritante. Mesmo que os caras fossem fortes e perigosos e que facas sejam armas masculinas. Na verdade, isso é uma visão mais do que ultrapassada. Os assassinatos foram cometidos de uma forma inteligente e limpa. Um corte da direita para esquerda, feito por trás, exatamente sobre a traqueia. Uma assassina canhota com uma faca própria para seu uso. Os cortes eram tão limpos que se a assassina fosse esperta nem teria sangue nas roupas. E a assassina era esperta.
O primeiro crime aconteceu em frente à universidade comunitária. A garota estava fazendo sua caminhada com raiva depois de uma briga séria com o namorado quando ouviu um barulho. Se virou a tempo de ver o garoto caindo e o sangue esguichando para todos os lados.
O segundo foi na praia. Durante uma festa um garoto saiu puxando a namorada pelo braço. Foi atacado por uma sombra que surgiu por trás de uma das dunas, a assassina usava um capuz e estava muito escuro, por isso a namorada não pode ver seu rosto mesmo estando de frente a ela. Ou é o que ela diz.
O terceiro foi em um hotel. Um ex-namorado psicótico perseguindo a namorada que veio passar o Natal com os pais, foi morto e jogado em uma piscina. A garota, que tinha ido resolver o relacionamento deles de uma vez por todas, viu tudo de trás de portas de vidro que levavam até a piscina.
O quarto e o quinto foram em um baile de inverno. Dois garotos estavam tentando forçar suas namoradas atrás do ginásio, quando uma sombra esguia os matou sem tocar as garotas, mas as deixando cheias de sangue.
O sexto foi em uma casa abandonada. Um passante ouviu barulhos e encontrou o casal desacordado no chão coberto de sangue. Ele morto, ela desmaiada e em choque. Ela agora está no hospital e não se lembra de nada.
E três dias antes, o sétimo. O único que representava alguma coisa para as autoridades da cidade. Bob Jackson Jr. era filho do dono do Jack’s Tart uma rede de restaurantes nascida em Savannah e um dos maiores orgulhos da cidade. O pai de Bob cobrava uma solução rápida da polícia, que corria como galinhas sem cabeça, não vendo pistas que estavam bem à sua frente.
Babacas.
Menos o pai de Charlie, é claro.
- Oi, Elle. – Charlie disse, chegando a praia e colocando o skate sob o braço ao ver Marielle parada na calçada da orla, esperando sua chegada – Chegou cedo.
- Qual o motivo da ameaça, Studders?
Charlie riu. Marielle tinha sido presa por nadar pelada em uma piscina pública no verão e foi graças ao fato de o pai de sua melhor amiga ser o delegado que ela foi liberada sem complicações, mas não sem um longo sermão do Delegado Studders. Agora sempre que Charlie queria provocá-la dizia que ia nadar pelada.
- Eu só queria passar um dia com você, não posso?
- Pode, mas podia passar lá em casa ao invés me fazer vir até aqui nesse frio “gelante”.
- Enregelante, Marielle. E nem tá tão frio assim.
- Você não sente porque tem o corpo fechado. Coisa de ruiva.
Charlie ergueu uma sobrancelha.
- Ruivas têm corpo fechado?
- Aham, porque ruivas são criaturas do demônio.
- Então, porque você é minha amiga?
- Excelente pergunta. Porque eu sou amiga de uma pessoa que me faz vir a praia no meio do inverno na Geórgia mesmo sabendo da noite que eu tive ontem?
- Porque eu sou uma criatura do demônio e te enfeiticei. Mas eu não sei da noite que você teve ontem.
Marielle sorriu e começou a andar pela calçada. Charlie a seguiu.
- Lucas e eu fomos para uma festa. Eu fiquei tão alta que tive que ir pra casa dele. Você pode imaginar o que aconteceu depois.
Charlie fez uma careta. Não gostava de Lucas. Não gostava da sua constante mania de embebedar ou drogar Marielle. E não gostava da forma como ele a tratava quando ela estava sóbria. Mas Elle entendeu a careta de forma errada.
- Não é só porque você é a reencarnação, Madre Teresa de Calcutá que eu deveria ser tão santa quanto, Studders.
- Não é isso. Eu só não entendo porque você precisa de tantas drogas e sexo.
- Porque é bom, me relaxa, me faz esquecer os problemas. – Elle disse carrancuda.
Charlie encarou a amiga.
Ela conhecia Marielle desde que entrou no ensino médio. Foram parceiras em biologia e acabaram virando melhores amigas do tipo que ficam juntas o tempo todo. Antes disso, Charlie era bem sozinha. Ela podia fazer parte da realeza estudantil (junto com Bob Jackson e outros idiotas) se quisesse, mas preferia se manter longe. Sempre teve uma personalidade estranha. A mania de se sentar sozinha no balanço no meio do frio intenso do inverno afastava as crianças. A mania de falar sobre os assassinatos como se fossem nada afastava os pré-adolescentes. E o fato de ter desprezado todos os garotos que a chamaram para sair durante a escola, afastava os adolescentes. Claro que mesmo afastados, ninguém nunca paravam de falar sobre ela.
Marielle nunca se importou com nada disso. Filha do meio em uma família de 5, os pais raramente prestavam atenção nela ou que ela fazia. Era medíocre na escola, tirando notas aceitáveis, mas não participando de nenhum clube, e nem conseguiu entrar na faculdade. Se vestia de forma simples e delicada. Era só uma em meio a multidão. Menos quando estava com Charlie. Era impossível não prestar atenção nos cabelos ruivos raramente penteados de Charlie. Ou nos vestidos coloridos e simples que ela usa faça chuva ou faça sol. Ou na postura de Charlie andando com o skate embaixo do braço ou desfilando descalça por aí. Charlotte Studders era a perfeita imagem da linda garota misteriosa que todos queriam ter, mas ninguém podia. Perto dela, Marielle vivia numa sombra. Mas aquilo era o mais perto do sol que ela já tinha chegado.
- Tudo bem, Elle, não fique brava. Eu só queria que você tomasse cuidado.
Marielle finalmente olhou nos olhos de Charlie e sua carranca desapareceu.
- Eu sei cuidar de mim, Char. Não precisa ser a filha do delegado o tempo todo.
Charlie suspirou e balançou a cabeça, concordando. As duas andaram até o píer, mudando de assunto.
- Você ouviu alguma novidade sobre a morte de Bob? – Marielle perguntou.
- Você quer dizer sobre a morte dos sete garotos.
- Sim. – Ela revirou os olhos – Mas você sabe que isso só ficou interessante depois que Bob morreu.
- Não entendo porque, acho que ele é um dos caras que menos faz falta para a cidade.
- Charlie, todo mundo sabe que você achava Bob um babaca, e ele era, mas era um babaca popular, então ninguém se importa com a sua opinião. Responde a minha pergunta.
Charlie bufou.
- A polícia não faz ideia de quem é o assassino.
- Jura? Nem uma lista de suspeitos?
- Não, tudo que eles tem é a motivação e o fato de que o assassino é canhoto. Nem chegaram à conclusão de que era uma garota ainda. Eu acho que se as mortes pararem, é possível que esse caso seja arquivado e quando eu me formar vou reabri-lo e solucioná-lo.
Mas Marielle não estava mais ouvindo.
- Eu acho que foi uma das namoradas. – Disse, ao chegarem ao píer.
- O que?
- Pois é. Quem tem motivos melhores pra matar todos eles do que as namoradas?
- Foram sete assassinatos, Elle. Você acha mesmo que alguém teria tanta raiva do namorado que o mataria e depois mataria outros seis caras simplesmente porque agem como ele?
- Claro, não é isso que chamam de crime passional?
- Não...
- De qualquer forma, eu realmente acho que foi a namorada nº 6. Não engulo ela ter esquecido de tudo. Prefiro acreditar que ela treinou, treinou e depois de ter alcançado o ponto máximo ao matar dois caras ela tomou coragem e matou o namorado. E como seis não é um número legal, ela fechou a série de assassinatos com chave de ouro ao matar Bob Jackson. É coincidência demais ela ter saído do hospital no dia da morte de Bob.
- Sua teoria é melhor do que a da polícia...
Isso fez Marielle se animar.
- É só uma das possibilidades, ainda existem as outras namoradas. Todas podem ter feito isso, por motivos diferentes. Quer dizer, ninguém sabe o que se passa na cabeça das pessoas né?
- É, ninguém... Deixe-me mostrar o erro na sua teoria: nenhuma das namoradas é canhota.
- Drooooooga! Eu esqueci essa parte. Você tem certeza, absoluta, de que a assassina é canhota?
- Sim, de acordo com a direção dos cortes nos corpos.
Marielle bufou e pegou o celular no bolso.
- Eu sou pior que o Detetive Biggs solucionando um crime. Pelo menos, eu não sou paga para isso. – Disse, digitando um número.
- Para quem você está ligando?
- Lucas. Eu preciso de uma bebida depois desse papo sobre assassinatos.
- Marielle...
- O que? – Colocou o telefone no ouvido e encarou Charlie – Ah, por favor, não cite o código penal para mim agora. Eu quero me divertir. E você deveria fazer o mesmo e aproveitar suas férias.
- Eu me divirto, sóbria mesmo.
Nesse momento, Lucas atendeu ao telefone então tudo que Marielle fez foi dar língua para a amiga.
- Oi, baby... – Disse se levantando.
Charlie não chegou ao ouvir o resto. Ficou batucando no skate enquanto esperava amiga terminar de falar ao telefone. Quando ela o fez, puxou seu cabelo para fazê-la levantar.
- Nós vamos a uma festa!
- Nós? – Charlie perguntou, arrumando o vestido no corpo.
- É Charlie, vai ser no barco de Vincent, você precisa ir.
Charlie respirou fundo e agiu como se estivesse pensando.
- Nunca, jamais, nem em um milhão de anos! – Disse, finalmente se virando para sair do píer.
- Charlie...
- Não diga o meu nome. E eu nunca iria para uma festa de Lucas.
- Mas eu preciso da minha melhor amiga comigo para me apoiar.
- Eu nem sei porque diabos você vai para essa festa, você fica enjoada em barcos.
- E daí? Vai ter tanta coisa lá que eu iria acabar vomitando de qualquer jeito.
- Ótimo trabalho me convencendo a ir para a festa, Elle.
Charlie tomou a dianteira e colocou o skate no chão para deixar a amiga falando sozinha, mas Marielle a parou.
- Charlie, por favor, nós mal temos passado tempo juntas essas férias e você sabe como Lucas fica quando eu não vou para uma das festinhas dele. Por favor? Vai ser divertido. E nós podemos almoçar no restaurante do pai de Bob antes de ir. Você pode recolher mais informações sobre os assassinatos.
Charlie bufou e pegou o skate antes de se virar.
- Eles realmente me querem lá? Eu sou filha do delegado e vai ter muitas drogas.
- Lucas não liga. E ele nunca é pego.
- Certo, mas eu não vou usar nada.
- Nem precisa.
- Ok. Vamos almoçar.
Depois de almoçar, Charlie e Marielle seguiram para as docas. Elle falava o tempo todo sobre o namorado enquanto Charlie revirava os olhos consecutivas vezes. Não era só porque odiava Lucas, ela nunca entendeu porque as pessoas falavam tão efusivamente sobre seus namorados e namoradas. Nossa, você tem um relacionamento! Legal, mas isso devia ficar entre você e ele (ou ela).
Charlie podia soar como uma velha amargurada, mas não é como se ela nunca tivesse namorado. Ela namorou, alguns anos antes. O cara era filho de um pescador e se chamava Nicolas. Eles viviam grudados, mas o pai dela odiava isso. Charlie se sentia dividida entre o único cara que já tinha mexido com ela e seu pai, o homem que mais amava e que a tinha criado. Tudo que se sabe é que a única coisa que sobrou de Nicolas foi o boné verde que de certa forma virou uma marca registrada de Charlie. Ela usava o tempo todo... Mas não estava usando agora.
- Charlie! – Marielle exclamou parando na entrada do barco – Você está sem boné.
Charlie congelou. Por um instante ficou em pânico, mas então se sentiu boba por ficar assustada. Era só um boné. Um amuleto talvez, mas só um boné. Tentou se lembrar da última vez que tinha visto.
- Esqueci na mesa da sala, eu acho. Tudo bem.
- É só estranho te ver sem ele. E eu nem percebi que você estava sem quando chegou à praia.
- Bem, eu não posso ficar com ele na faculdade, então já me acostumei.
- ELLE! – Lucas gritou, quando elas entraram no barco. Puxou Marielle pela cintura e já entregou uma lata de cerveja para ela. – Charlotte. Finalmente tomou coragem de vir se divertir?
Ele esticou a mão para tentar apertar a bochecha de Charlie, mas ela bateu na mão dele, como se para afastar um mosquito.
- Charlie! – Marielle gritou, arregalando os olhos de revolta.
- Eu vim por Marielle, e vou embora assim que escurecer. – Disse simplesmente, cruzando os braços.
Lucas riu.
- Relaxa um pouco, Studders. Coloca esse skate lá dentro e depois pega alguma coisa pra beber.
Charlie simplesmente ficou parada, braços cruzados com o skate contra o peito e maxilar cerrado. Então Elle implorou com o olhar, e ela girou os tornozelos, se dirigindo para a cabine do barco. Escondeu o skate e os sapatos embaixo de um banco e voltou para o lado de fora, se sentando na beirada do barco, com as pernas fora da água.
 Passou o resto do tempo ali e duvidava que Marielle ou qualquer um tivesse dado sua falta. Quem passava por ali, estava bêbado demais para se importar ou sóbrio demais para ter coragem de falar com Charlotte Studders e quem não a conhecia só precisava de um "cai fora" dito através aqueles olhos verdes para não puxar papo.
Simplesmente não conseguia tirar o caso da cabeça. Ele a assombrava e a perseguia. Sabia o que era o certo a fazer, mas ninguém a escutaria. O novo detetive acabara com a reputação que Charlie tinha na polícia local e agora ela só podia resolver o crime como queria quando terminasse o curso. Aquilo a perseguiria pelos próximos 3 anos e meio.
Em um momento, Lucas apareceu e se sentou ao lado dela. O único corajoso, ou maluco suficiente para falar com Charlie quando uma tempestade estava sobre a cabeça dela.
- Não vai beber mesmo, cara?
- Não, cara, eu não vou.
- Porque, cara? - Ele perguntou bêbado o suficiente para achar a brincadeira engraçada.
- Porque não.
- Então porque você tá aqui?
- Por causa de Marielle.
- Você não vê Marielle há horas, e ela não falou com você. Talvez o verdadeiro motivo seja eu.
Charlie se levantou, se afastando dele.
- Se você me dá licença eu vou enfiar brasas do meus olhos para tirar essa imagem da cabeça.
Lucas riu e se levantou junto.
- Não precisa esconder o que sente sobre mim, querida.
- Nunca escondi, você me dá nojo.
- Marielle não está aqui, Charlie, você pode fazer o que quiser comigo.
A luz já começava a diminuir, principalmente naquele lado do barco, Charlie não conseguia ver bem o rosto de Lucas, mas sabia de quem era a sombra atrás dele. Pensou que agora era a hora de fazer alguma coisa.
- Então, você acha que pode namorar minha melhor amiga e se insinuar para mim sem que eu vomite na sua cara arrogante?
- Elle não importa pra mim. Ela é só um brinquedinho sabe, enquanto eu não faço nada. Eu tenho planos sabe, não quero ser um desses caras bêbados que vive em festas pelo resto da vida. Isso é temporário. Talvez namorar a filha do delegado me ajude a mudar de vida.
Charlie teve um flashback ao ouvir essas palavras. Olhou para Marielle e sabia que ela já tinha ouvido o suficiente também. Se virou e deixou o barco sem dizer uma palavra.

Foi acordada na madrugada do dia seguinte, com a voz do pai e uma chacoalhada violenta nos ombros.
- Acorde, Charlie!
Com o susto ela não precisou de muito tempo para estar completamente acordada.
- O que? – Perguntou, arregalando os olhos - O que aconteceu?
- Preciso que você vá à praia comigo. O namorado de Marielle foi morto ontem a noite.
Em um salto ela levantou da cama e calçou o tênis.
- Namorado superprotetor?
- Sim. Sei pouco sobre tudo, mas Marielle afirmou que você estava na mesma festa um pouco mais cedo. – A gravidade na sua voz previa bronca - A festa tinha drogas e bebida, Charlie, você estava mesmo lá?
- Eu fui por Marielle, pai, sinto muito. Acho que esperava impedi-la de fazer besteira.
Ele relaxou.
- Ela viu tudo, querida. Precisa de seu apoio agora.
Charlie estava em pé e pronta para ir e pela primeira vez sentiu um arrepio de frio na espinha.
- Vamos? - O delegado perguntou.
- Vamos.
Deixaram a casa com uma tensão silenciosa, encontrando o detetive na porta de casa. Biggs saldou os dois, mas Charlie o ignorou propositadamente. Nas docas, encontrou a amiga encostada em uma viatura, envolvida em uma colcha de retalhos e abraçada a mãe.
- Minha menininha. Eu sinto tanto, sinto tanto. - Sua mãe dizia a voz envolvida em lágrimas enquanto a abraçava.
Marielle chorava copiosamente, com os olhos inchados e um cheiro horrível que era sentido há passos de distância.
- Char! - Gritou ao vê-la, ainda chorando.
Charlie a abraçou.
- Eu sinto muito. - Disse de uma forma assustada e completamente falsa.
Não sentia muito. Não sentia muito por nenhuma das meninas cujos namorados foram mortos. Marielle respirou fundo em meio ao choro.
- Você é a única que pode ajudar, Char. A única que pode fazer a assassina pagar por isso, você precisa ajudar a polícia. Por favor.
Charlie se afastou e olhou nos olhos escuros de Marielle. Sua amiga não sabia de nada, mas confiava nela.
- Eu vou fazer, por você.
No fim daquela tarde, depois de deixar a amiga sob a proteção dos pais, Charlie pediu ao próprio detetive Biggs que reunisse todos os investigadores do caso em uma sala. Depois de pensar muito pelo dia, ela finalmente sabia... O certo fazer para terminar aquilo.
Todos os olhares estavam nela. Todos pareciam entediados. O próprio detetive só tinha concordado com o encontro para poder dar fim a suas interrupções de uma vez por todas. Ela respirou fundo e começou.
- Fui eu.
É óbvio que ninguém acreditou nela. A confusão tomou conta da sala.
- Eu sou a assassina d'O Caso do Namorado Superprotetor.
- Charlie... - Seu pai começou.
Charlie foi forçada a explicar.
- Eu tive um namorado superprotetor uma vez. Apesar do termo certo ser "obsessivo". Ele não me deixava respirar e queria me forçar a mudar. Depois descobri que ele só saia comigo para ter ascensão social. Um belo dia ele me ameaçou com uma faca, acabou me causando um corte na barriga e depois de uma briga eu o matei. Legítima defesa, mas por algum motivo, eu gostei e peguei meu primeiro souvenir. O boné. Assim que soube que minha melhor amiga tinha se envolvido com um cara assim, resolvi bancar a justiceira.
"O primeiro foi o namorado de uma amiga da faculdade. Ele estava tentando convencer ela a deixar a faculdade e ir com ele para Los Angeles. Ela não queria, mas ele a convencia cada vez mais. Depois que ele morreu, ela pegou o diploma. Conseguiu um emprego na cidade.
"O segundo foi o caso da praia. O cara a agrediu. A socou três vezes. Depois que ele morreu, ela conheceu um cara novo, está apaixonada e feliz agora.
"O terceiro planejava matá-la por ciúmes.
"O quarto e o quinto, casos de estupro.
"No sexto, ele a havia sequestrado.
"A sétima também havia sido agredida. Tinha perdido tudo que acreditava e iria ser expulsa de casa a qualquer hora. Agora ela voltou a faculdade e vai seguir a carreira que sonhou.
"E por último livrei minha amiga daquilo tudo. Eu não queria ter ido tão longe e traumatizar Marielle, mas ele se insinuou para mim. Para mim! Agora Marielle fez as pazes com os pais e em breve estará cheia de planos para o futuro.
"Eu sei que o decepcionei, pai, e sei que vocês me veem diferente agora. Mas eu tinha planos de me entregar. Ou de ser descoberta. Quando o detetive bancou o sabichão, eu decidi que só faria isso quando eu me formasse, para mostrar o quanto teria sido fácil resolver isso tudo. Eu não parava de falar sobre a assassina canhota e todas as outras coisas que apontavam para mim e ninguém percebeu. Provavelmente, ainda não acreditam, mas eu tenho uma lista de provas irrefutáveis.
"Eu estou pronta para ser julgada. Só gostaria de acrescentar que, do meu ponto de vista, eu não tirei 8 vidas. Eu salvei outras oito."



G.