Aviso: o post abaixo não tem pausas para respirar, então bebe uma aguinha antes.
Um pouco mais de duas semanas atrás, eu recebi uma mensagem de alguém do meu passado que despertou alguns sentimentos que eu não sobre interpretar na hora ou lidar. Não foi ninguém com quem eu passei muito tempo na vida ou alguém que mudou alguma coisa nela em particular. Muito menos foi alguém que eu pensei que prestasse atenção em mim. Foi alguém que me conheceu antes que eu fosse eu. Mas a verdade é que antes mesmo que eu fosse eu, eu já era essa bola de sonhos indistintos e de desejos intensos que eu nunca pensei que fosse realizar. Eu não sou burra — em algum lugar apagado do meu cérebro, eu sei que eu estou vivendo meus sonhos de infância. Em algum lugar muito silencioso de mim, eu sei que se eu dissesse para a Giulia de 11 anos como a minha vida está no momento, aos 21, ela morreria de felicidade. Então por que precisou uma pessoa do meu passado ressurgir na minha vida para que eu realmente começasse a sentir isso?
Eu decidi mudar um pouquinho a rotina da "É só uma fase", até porque 2019 não é um ano normal. Estamos em julho, meu aniversário foi há cinco meses, e nem faz sentido eu escrever sobre as minhas expectativas para os 21 anos. Eu posso dizer como eles têm sido: Violentos, dolorosos e mais cheios de emoção do que eu realmente consigo lidar. Confusos e preocupantes e, em grande parte do tempo, eu gostaria de sair da minha própria pele e deixar as coisas se resolverem sozinhas. Também não pretendo escrever o segundo post da coluna no ano, até porque eu acabo de dizer como meus 21 anos têm sido e porque vou passar meu meio aniversário largada por Los Angeles com uma mala pesada esperando dar a hora do meu voo, já que ele é doze horas depois do meu check-out no hostel. Então, por não ter expectativas sobre os 21 mais, e estar vivendo meus sonhos aos 21, eu resolvi falar sobre isso. Eu não trocaria este ano por nada, mesmo que ele esteja me matando aos poucos (é sério, assim que eu voltar de viagem eu vou no cardiologista, só para ter certeza que estou bem).
Uma coisa que eu gosto muito de fazer é me ver pelos olhos da minha psicóloga e da minha psiquiatra. Elas têm tanta fé em mim que é assustador. As duas estão falando sobre alta e desapego e confiar em mim mesma e no meu próprio aprendizado, e eu só quero correr para baixo das asas das duas e sumir para sempre. Minha psicóloga tem uma sintonia muito própria e eu sempre consigo notar o que ela realmente quer dizer e aplicar na minha vida em áreas aleatórias. Eu estou tão melhor do que eu estava antes de começar o tratamento com ela, mas eu ainda não sei confiar em mim mesma e no que eu aprendi. Eu não sei me permitir aprender mais. E eu não consigo fazer as coisas para as quais minhas sessões de terapia sempre acabam voltando: me abrir mais sobre o que eu sinto e me permitir sentir tudo que eu estou sentindo.
Eu sou bem ruim em fazer parágrafos que se ligam uns aos outros, mas neste quarto parágrafo é isso que pretendo: Eu não sei como eu estou me sentindo sobre estar a caminho de Los Angeles. Na verdade é pior que isso, eu sei exatamente como eu estou me sentindo sobre estar a caminho de Los Angeles no momento: eu sou me cagando de medo. No momento, escrevo do Aeroporto Internacional Tancredo Neves - Confins, a exatas 52 horas do momento em que estarei saltando do avião no LAX com um sonho no meu cardigã. Este é o primeiro momento de paz que eu tenho essa semana, depois de ter passado os últimos dois dias para cima e para baixo tentando fazer tudo que eu queria fazer antes de viajar. Não deu tempo de fazer tudo que eu queria fazer antes de viajar. É meio desorientador, mas ao menos me deixa com o que pensar para fazer quando eu voltar de Los Angeles. É difícil pensar que vai existir uma vida depois de Los Angeles. Todo mundo está falando da Bienal, e mesmo que eu esteja fazendo de tudo para ir, eu nem consigo pensar sobre isso agora. Essa viagem significa tudo. Significa os últimos dois anos, significa os últimos quatro anos. Todo mundo está feliz por mim, todo mundo está animado por mim, todo mundo sabe que vai ser incrível. Minha psicóloga me disse que acha que eu voltarei de viagem com uma noção melhor de quem eu sou e eu acho que ela está certa, mas isso é que é assustador.
Essa viagem foi uma grande parte dos últimos dois anos para mim. Dois anos sempre foi meu prazo para tudo de grande na minha vida. Quando eu conheci MisterWives, eu dizia que com toda certeza eles viriam para o Lollapalooza 2017 e eu não precisava me estressar sobre perder os shows porque ia acontecer — não aconteceu. Desta viagem, porém, eu tinha mais controle. Eu comecei a planejar ela quando me aproximei da Kira em 2017 e quando ainda estagiava. Eu precisava juntar dinheiro para fazer isso acontecer e com a faculdade acabando em 2019, dois anos era o prazo ideal. Muita coisa aconteceu depois disso. Eu estabeleci datas e mudei elas, eu adiei adiei adiei, marquei. Perdi dinheiro, gastei mais do que pretendia, tive emergências, mudei de ideia, pensei se deveria ir apenas para Los Angeles ou para Nova York também, fiz a escolha errada e em seguida uma série de outras escolhas erradas. Eventualmente, marquei uma data, comprei as passagens do voo que estava rastreando há semanas e deixei que a carga de adrenalina que me preencheu naquele momento me intoxicasse e me deixasse tonta por dois dias seguidos. Passei as semanas seguintes planejando, me estressando, correndo atrás da formatura — e de me formar a tempo da viagem — e dos detalhes da viagem, tentando fechar parcerias, caindo no choro aleatoriamente e não me deixando aproveitar nada do momento. Sem coragem de sequer compartilhar o que estava acontecendo direito, com medo de tudo ser tirado de mim.
Até mesmo agora, eu estou preocupada. Preocupada com o dinheiro, preocupada com o que vai acontecer quando eu chegar lá. Preocupada que não me deixem entrar no país, preocupada em não conseguir conhecer a Kira. Eu tenho uma imagem muito clara do que vai acontecer se eu não conseguir conhecer a Kira, porque acreditem, a depressão bateu com tanta força este ano que foi uma imagem que eu alimentei bastante. E pode não acontecer. Ela pode ficar presa em alguma questão do trabalho, as coisas podem dar muito errado em questões de agenda, ou ela pode apenas não querer ir (ela tem esse direito, gente) (apesar de que eu conheço ela melhor que isso). E mesmo que dê tudo certo e a gente passe muito tempo juntas, as coisas podem não ser do jeito que eu sonhei. As coisas podem ficar muito estranhas. Velho, a Kira tem uma música sobre conhecer alguém com quem você fala na internet e as coisas não serem como você esperava. E acreditem, eu não faria essa viagem e não gastaria tanto dinheiro se não confiasse nela, mas eu tenho medo. E tudo bem ter medo. Porque se eu fosse iludida que tudo seria perfeito eu ia quebrar a cara, sem via de dúvidas. O problema é que o medo não está me deixando aproveitar este momento, que vai ser, sem dúvida, um dos melhores momentos da minha vida.
Eu passei os primeiros cinco meses do ano me convencendo que essa viagem nunca aconteceria e as últimas seis ou sete semanas alimentando a paranoia de todas as coisas que dariam errado. Eu me afundei em coisas para fazer, inventando mil problemas e estresses. Passei até mesmo os últimos dois dias andando para cima e para baixo até a exaustão e enfiando coisas e mais coisas na mala e me xingando cada vez que eu comprava mais do que eu deveria. Quando eu estava no ônibus indo para casa ontem, crise de ansiedade pensando em ser parada na alfândega. Quando acordei hoje de manhã, crise de ansiedade pensando que eu ia esquecer tudo em casa. Agora, sendo forçada a ficar sozinha comigo mesma, com o silêncio e com a realidade de que, se eu estiver esquecido algo em casa, já era, eu percebo que... Não importa. Nada disso importa. Não importa o que eu vou sentir em cada um dos 16 dias que eu vou passar em Los Angeles. Não importa o que vai acontecer lá. Não importa se eu vou me conectar com a Kira imediatamente ou se ela vai ser como uma estranha para mim. Não importa se a Natalia e a Ruby vão me achar uma ridícula ou se a Sidney vai jogar meu carma de ghosting de volta para mim. Não importa o que aconteça, eu sei que a futura eu se lembrará desses dias como alguns dos melhores dias da minha vida. Porque cara, olha só o que eu estou fazendo. Aos 21 anos, recém-formada da faculdade, eu estou indo sozinha para a Cidade dos Anjos ver gente e fazer coisas que eu só sonhei que faria até hoje. Essas coisas são reais. As borboletas no meu estômago são causadas pela realidade da minha vida, não apenas por delírios conscientes. Sabe como eu sei que eu me lembrarei desses dias como alguns dos melhores? Quando eu fui para São Paulo pela primeira vez, as coisas não foram como eu sonhei. Elas deram errado e eu tive muita crise de pânico e quase morri, mas eu me lembro daquela viagem com carinho. E eu viveria tudo aquilo de novo e de novo e quantas vezes eu pudesse. Eu sei que eu vou me lembrar de Los Angeles com carinho independente de qualquer coisa, então porque eu deveria alimentar paranoias de que essa viagem não será incrível? O tempo presente é incapturável, mas eu estou vivendo ele e cabe a mim decidir como eu vou viver ele.
Por fim, uma das coisas que eu me dei conta na terapia é de que eu tenho usado das tarefas e das obrigações para me impedir de sentir. Para um cérebro deprimido, cansaço e dormência significa segurança. Mas eu também sou ansiosa, e sei bem que estar cansada e dormente significa que eu não estou vivendo, por isso me irrito mais do que deveria, a raiva faz com que eu continue me movendo e faz com que eu sinta alguma coisa. Por isso quando fico triste eu alimento a tristeza, pensando sobre cenários negativos, lembrando de coisas ruins, futucando mágoas. Eu quero sentir, mas quando sua maior professora sobre sentimentos foi a depressão, você acaba alimentando a autodestruição para dar sentido ao não-sentir. Então, sim, eu estou aterrorizada sobre Los Angeles e estou aterrorizada sobre a vida após Los Angeles e aterrorizada sobre a alta da terapia. Mas no momento, minha mente está leve e vazia e parece um bom lugar para começar a guardar sentimentos bons. Se eu sei que vou fazer boas memórias, eu quero vivê-las e senti-las de verdade. Mesmo que doa, mesmo que seja confuso, mesmo que machuque. Se eu sei que vai valer a pena lembrar, eu sei que vai valer a pena viver.
Eu sei lá o que vai acontecer, mas eu sei que vai ser bom.
G.