Todos os posts do Quebrei a máquina de escrever só são possíveis graças aos nossos apoiadores no PicPay Assinaturas. A partir de R$1 por mês, você ajuda a tornar a fazer o blog acontecer. Clique aqui e apoie. Para ver outras opções de apoio, inclusive gratuitas, visite a aba "Apoie". 


"Eu vou falar sobre isso pela próximas semanas, mas a minha maior crítica à segunda temporada de Bridgerton no momento é o número de storylines paralelas que eles deram aos outros Bridgerton." foi a primeira frase que publiquei nas redes assim que terminei a série, no dia da estreia. Fascinante e encantadora o suficiente para se tornar o assunto de milhares de bolhas na internet, a segunda temporada da série deixou a desejar justamente na parte mais apaixonante do livro: A história de amor entre os personagens principais.


A temporada que estreou dia 25 segue os acontecimentos do livro O Visconde Que Me Amava e conta a história de Anthony Bridgerton e como ele foi de um dos maiores libertinos da Inglaterra para o homem mais terrivelmente apaixonado do país. Tanto na história da série, quanto na do livro, as irmãs Kate e Edwina e sua mãe, Mary, acabaram de chegar a Londres para a temporada de bailes. Edwina é rapidamente declarada o diamante da temporada, o que faz com que Anthony, que finalmente resolveu se casar e dar continuidade à linhagem da família, resolva que ela é a escolhida. Antes disso, porém, Anthony precisa enfrentar Kate, que está decidida em proteger o coração da irmã da libertinagem dos homens a todo custo. Resoluto em não se apaixonar, para não causar e nem sofrer a dor que sua mãe sofreu após morte de seu pai, Anthony nem percebe que está se apaixonando pela mulher que tenta convencer que fará um bom cunhado.

Tanto na série, quanto no livro, o pai de Anthony morreu graças a uma picada de abelha. Tanto na série, quanto no livro, a prioridade de Kate é conseguir um bom casamento para sua irmã mais nova, Edwina, já que ela não acredita que vá se casar um dia. Tanto na série, quanto no livro, Kate é enteada de Mary, mas Mary é a única mãe que ela conheceu. Tanto no livro, quanto na série, o pai de Kate e Edwina morreu e somente um casamento (que todos esperam que seja o de Edwina) garantirá um futuro confortável para as três sobreviventes da família. E as semelhanças param por aí.

Esta não é uma resenha do livro, então não vou me demorar nas coisas em que a série se difere do livro, mas em como algumas das decisões tomadas afetaram a história. Quando a história já foi contada em outro meio, escolhas são feitas na adaptação do roteiro e essas escolhas podem ser analisadas de formas diferentes por pessoas que já conheciam a história.

Quando a primeira temporada saiu, eu não havia lido O Duque e Eu e foi a série que me fez me apaixonar pelo universo dos Bridgerton. Na época, li resenhas de pessoas que leram os livros e percebi alguns destaques dos pontos negativos com desconfiança. Não era a mesma perspectiva que eu tive assistindo. E então eu li dois livros da série. 

O Visconde Que Me Amava foi o livro que eu li mais rápido em anos. Comecei em uma noite de domingo e terminei na tarde de segunda, tendo dormido só pouco mais de três horas. Devorei o livro e me apaixonei por ele mais do que só pelo romance, mas também pela forma como ele retratava o luto. Apesar de não se aprofundar nas crenças de Anthony sobre a vida dele com base na falta que ele sentia do pai, eu creio que a representação do luto do Anthony (e da mãe dele, Violet) na série, foi bem feita. Chorei em algumas partes e senti a dor de um luto que eu conheço bem demais. Foi possível entender como a perda do pai afetou a existência de Anthony. Só que somente o luto dos Bridgerton teve seu espaço.

O luto de Kate, que perdeu o pai e a mãe quase não foi representado. Em momento algum, ela demonstrou vulnerabilidade nesse sentido, somente uma força que quem perdeu os pais quando criança sabe que é só uma fortaleza criada para nos afastar do luto real. O luto de Mary, que perdeu o marido, só foi mencionado em uma cena, quando ela finalmente se deu conta de que deveria ter sido a adulta da situação. E a pior parte de todas: O elo de luto que fazia com que a conexão de Kate e Anthony fosse mais forte, mais poderosa e mais do que simples atração se tornou uma "inferência" do público. Em uma cena, Kate notou o túmulo do pai de Anthony. Em outra, perguntou como ele morreu. Sem conversas entre si sobre a dor que os dois conheciam tão bem.

Por mais que a química entre os atores seja importante (a ponto de que o número diminuído de cenas de sexo seja outra reclamação), a construção da amizade, de uma ligação, do amor além da paixão é uma parte essencial de Kanthony, que a segunda temporada de Bridgerton abriu mão de mostrar. Os personagens e sua relação ficaram corridos, superficiais e faltando a compreensão que quem conhecia a história através de outro meio, já tinha.

Enquanto isso, histórias paralelas aconteciam, nenhuma interessante o suficiente para justificar a falta de tempo de tela para os personagens principais. Eu discordei de quem disse que a identidade de Lady Whistledown não deveria ter sido revelada no fim da primeira temporada, porque para mim a identidade estava óbvia desde o começo. Mas tendo visto o que foi feito com Penelope nesta temporada, eu preferia que os escritores ao menos fingissem que ela ainda estava tentando esconder sua identidade. Na primeira temporada, Penelope se mostrou muito mais do que se esperava dela, sem que toda a sua identidade fosse focada em ser Lady Whistledown. Já na segunda temporada, parecia que a única coisa interessante sobre Penelope era justamente ser Lady Whistledown, a mulher que sabia de tudo, ao mesmo tempo em que ela não sabia nada sobre o que estava acontecendo em sua própria casa.

Dar a Eloise um interesse amoroso também foi um tiro no pé. A Eloise da primeira temporada tinha um foco especial em ser independente e solitária, até, é claro, encontrar o amor de verdade. O momento em que ela olharia para Sir Philip e todas as suas crenças sobre o amor mudariam e ela se apaixonaria pelo homem que a conquistou primeiro sua mente, era muito aguardado. E agora ele vai ser só "o próximo". É como se os escritores não soubessem como ocupar o tempo dos irmãos Bridgerton sem lhes dar um interesse amoroso ou alguém para ocupar sua cama: O que, na minha opinião, só demonstra uma falha de construção dos personagens.

E falando em construção de personagens, alguns personagens construídos pela própria série mudaram completamente entre a primeira e a segunda temporada. Mondrich, o amigo do Duque de Hastings que continuou na série após a saída dele, se tornou um personagem sem aproveitamento e vazio de significado na segunda temporada. Violet Bridgerton apareceu muito focada em status nesta temporada, o que muito me preocupa em relação à entrada em cena de Sophie Beckett na terceira temporada. E ver a mesma mulher que não queria que a filha se tornasse uma princesa por estar apaixonada pelo Duque, não ter notar que seu filho mais velho estava apaixonado pela irmã da noiva me deixou confusa. 

Finalmente, o casamento, um momento dramático onde "tudo se resolve no último instante" causando um caos que chega a dar dor de barriga é uma marca das séries da Shondaland. Achar que as coisas foram longe demais e não poderão ser resolvidas, até que tudo muda repentinamente é algo que os fãs de Grey's Anatomy, por exemplo, conhecem bem. Em Bridgerton, essa foi somente outra storyline desnecessária. Abrir mão do desenvolvimento e aprofundamento dos personagens, só para acrescentar um pouco mais de drama, transforma a história que era sobre uma coisa, em uma história completamente diferente.

Após sua estreia em 25 de dezembro de 2020, Bridgerton se tornou a série mais assistida da história da Netflix. Por este mesmo motivo, a plataforma investiu alto no lançamento desta segunda temporada, com propagandas no horário nobre da TV, por exemplo. A série alcançou pessoas que nunca antes haviam lido os livros e pessoas que provavelmente nunca lerão. Talvez por isso, a segunda temporada tenha o mesmo alcance que a primeira teve, ou talvez um ainda maior. Mas por quanto tempo é possível manter uma audiência decepcionada com o material oferecido?

Resta esperar que a mudança de showrunner na série apresente resultados positivos para as próximas duas temporadas, que já foram prometidas pela Netflix. Mesmo que falas da produtora executiva Shonda Rhimes tragam muita preocupação a quem leu os livros.

—-
Para os leitores frequentes do blog e os que querem se tornar frequentes: O que vocês acham de resenhas assim? Com essa mistura de estilo G1 de resenhas e texto pessoal? Comentem o que acham para que eu comece a planejar os próximos posts