Esta é uma resenha do livro. Que eu li no meu próprio tempo, como absolutamente tudo que eu faço. Mas se este texto te deixar curioso, use meus links para: comprar o livro, assistir à série e comprar produtos oficiais na lojinha da Amazon de itens oficiais da série.
Vou começar isso aqui de uma forma estranha, mas acompanhem meu raciocínio, porque eu vou chegar a Daisy Jones eventualmente. Uma regra básica para leitores que eu gosto de lembrar sempre que possível é: NÃO sigam seus autores preferidos no Twitter. Isso inclui a mim mesma (apesar de minha conta de autora ser segura e o problema ser bad takes da minha conta pessoal). Imagino que grande parte das pessoas que tem Twitter há muito tempo concorda comigo. A gente passou anos vendo A Transfóbica destruir a própria imagem e o universo que criou a ponto de se transformar em alguém que é reconhecível pelo apelido "A Transfóbica". Imagina se ninguém tivesse seguido ela quando ela criou a conta?
O Twitter cresceu justamente por causa da ideia de aproximar celebridades de fãs, mas essa proximidade nem sempre é muito boa. Para fãs de literatura, no começo dos anos 2010, isso resultava em autores reescrevendo o que já tinham publicado em tempo real. Decidindo anos depois, por exemplo, que X personagem era gay, mesmo que isso não estivesse no texto. O criador de uma história é tratado como autoridade na própria história, então algumas dessas publicações eram tratadas como revolucionárias quando começaram. Mas quando se tornou tendência, esse revisionismo era cansativo e obviamente motivado por uma tentativa de capitalizar em cima de identidades. Então, como comunidade literária, fomos por outro lado: Matem o autor. Dentro do universo de um livro, o autor não existe e o que ele diz depois do ponto final não importa. A história existe como uma coisa própria e tudo que se sabe sobre ela é o que é dito no texto.
Hoje em dia, eu acho que isso seja senso comum. O que não está explícito numa história não é considerado canon, não importa quem diga que é depois do ponto final. O autor morreu e se não veio da boca dos personagens, não é verdade. Só que como nada nessa vida é fato, essa necessidade de ter tudo bem explicito criou outro problema: será que a gente perdeu a habilidade de inferir as coisas? De ler nas entrelinhas? De ler o que não é dito assim como que a gente lê o que é dito? De consumir escritores que "mostram, não dizem"? E é aí aqui que eu quero entrar com Daisy Jones & The Six.
Escrito em formato de entrevista — onde os relatos de diversas pessoas se converte em uma narrativa organizada cronologicamente por uma autora que não estava presente nos fatos — Daisy Jones & The Six precisa da habilidade de ler as entrelinhas para ser completamente compreendido. Como eu sou jornalista e tive a experiência de escrever um livro-reportagem, talvez minha opinião sobre isso seja influenciada, mas é a escolha narrativa que faz deste livro tão brilhante.
Vamos matar a autora por um momento. Taylor Jenkins Reid deixa de existir e a entrevistadora ficcional se torna uma pessoa real. Junto com ela, Daisy Jones, Billy Dunne, Camila Dunne, Graham Dunne, Karen Sirko, Eddie Loving, Warren Rhodes, Simone Jackson e todos os outros personagens entrevistados também se tornam pessoas reais. Nem falo de todos os personagens citados na história, mas de todos os personagens entrevistados. Quando foi que, na história do universo, uma dúzia de pessoas contou a mesma história da mesma forma?
Eu não quero filosofar demais e dizer que a verdade não existe, mas a verdade não existe. Existem verdades objetivas, é claro: sim ou não; Estava ou não estava; Fez ou não fez; Foi ou não foi; Falou ou não falou. Essas verdades nem sempre podem ser provadas, mas muitas vezes elas podem ser capturadas em uma câmera ou uma gravação. Mas quando se tenta entender os motivos por trás de algo, entram as verdades subjetivas. E verdades subjetivas são impossíveis de serem capturadas. Eu posso até saber como eu me sinto, eu posso até dizer como eu me sinto, mas é impossível que o outro saiba exatamente como eu me sinto. E quanto mais pessoas vivem um momento, mais verdades subjetivas existem e todas elas são pessoais e intransferíveis. São paralelas e não se tocam, mas de alguma forma podem infectar uma às outras.
Por exemplo, agora que eu voltei a escrever resenhas, parei para ler algumas resenhas antigas e percebi que algumas opiniões que eu tinha são bem diferentes de como eu me lembro delas. Eu imagino que anos falando sobre, lendo outras opiniões e revendo as obras depois de ficar mais velha infectaram minhas lembranças do momento, mudaram a verdade subjetiva. Ou talvez, as opiniões que eu escrevi sejam diferentes de como eu realmente me sentia. Porque a verdade subjetiva é impossível de ser capturada, mesmo para quem ela pertence. Quando a gente escreve é sempre através de um espelho, as coisas ficam um pouco invertidas.
Isso tudo é bom e importante de saber quando lidando com textos jornalísticos e histórias não ficcionais, mas em que isso afeta Daisy Jones & The Six? Adiantando a Páscoa e ressuscitando Taylor Jenkins Reid por um instante, todos os personagens deste livro são fictícios e foram criados por ela. Eles não existem e não estão suscetíveis às regras universais que comandam a mente humana. Imagina-se que um autor imagine tempo linear da história, mesmo que escolha outro formato narrativo para contá-la. Isso quer dizer que existe uma verdade universal em Daisy Jones & The Six, certo? Não necessariamente.
A escolha narrativa de Daisy Jones & The Six é o que faz com que os personagens do livro pareçam reais e vivos. As imperfeições e escolhas dos personagens também trazem esse tom de realidade, mas elas não seriam nada se as vozes que contam sobre elas não fossem deles próprios. A história é linear, mas não é objetiva. É contada de vários olhares subjetivos. É uma história esclarecedora, mas que não possui verdades absolutas. Leitores diferentes possuem crenças diferentes a respeito de cada personagem, da mesma forma que pessoas reais são vistas de formas diferentes por cada pessoa que conhecem. É impossível conhecer alguém bem o suficiente para conhecer suas verdades subjetivas. E quando o assunto são livros e personagens fictícios, o objetivo não deveria ser conhecer a verdade, mas criar uma verdade própria. Porque um livro também é um livro diferente para cada pessoa que lê.
É então, que as dúvidas deixadas pelas histórias dos personagens torna Taylor Jenkins Reid seja tão genial. Em momento algum ela quer ser uma autora que tenta forçar seus leitores a ler o livro da forma como ela escreveu. A ideia é que o livro seja lido da forma como ele foi escrito. Se você não entendeu a diferença, eu explico: em um livro, um narrador onisciente conta uma verdade absoluta. Na vida real, você pode ouvir a mesma história de três pessoas diferentes, com fatos contados de formas completamente diferentes e escolher em quem você acredita mais com base em conhecimentos prévios. Inconscientemente, você vai se sentir mais inclinado a concordar com uma pessoa ou outra. Ou vai misturar as histórias ou criar a sua própria, quarta história. Se Taylor Jenkins Reid quisesse que você soubesse lesse a história da forma como ela escreveu, sem mexer uma vírgula, ela te daria um narrador onisciente. Mas ela quer que você leia como foi escrito, com narradores suspeitos e conclua o que deve ser concluído da combinação entre palavras e ações.
Eu queria terminar aqui e dizer que não existe "jeito errado" de ler esse livro, mas eu estaria traindo a mim mesma. Eu concordo que realmente não existe forma incorreta de ler algo baseando-se nas suas próprias experiências, mas é preciso ir além disso. Tudo tem contexto e a habilidade de interpretar o que se lê é treinada. Você pode decidir por si só, por exemplo, quem está falando a verdade sobre o debate de Impossible Woman, mas essa decisão tem que ser com base em um contexto que a própria autora do universo te deu. Cada pessoa vai escolher uma parte desse contexto a que se apegar e isso é natural, mas a fé cega em um personagem é traiçoeira. Se alguém mente para você 3 vezes e você escolhe acreditar na 4ª vez, não dá pra brigar muito se alguém te diz que é uma escolha burra.
A história de Daisy Jones & The Six não existe num vácuo. Por mais subjetiva que seja, a história fala de verdades objetivas: a banda, os álbuns, as tours, o show de Chicago e a separação aconteceram. Esses fatos foram capturados e dão partida à história, antes que se embarque em uma viagem por meio daquilo que é impossível de capturar.
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