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BOA NOITE, NAÇÃO LGBTQÊ! Feliz Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+. Nós temos algumas questões a discutir: apesar de eu ter vários planos para o mês de orgulho este ano, eu não consegui colocar grande parte deles em prática por uma série de motivos que não vale a pena ficar aqui falando, porque vocês já sabem como é). Mesmo com esse probleminha, que é raro, mas acontece com frequência, a gente teve um destaque importantíssimo que aconteceu este mês, que foi a revelação em Bridgerton sobre a sexualidade de dois dos personagens principais

Caso o vídeo de 30 minutos que eu postei no YouTube não tenha deixado claro o bastante, posso afirmar aqui que as discussões sobre Bridgerton e o futuro da série tomaram grande parte do meu mês. Eu já sei que não existe discussão contra quem vai continuar dizendo que "estragaram meu livro preferido" mesmo que o livro não tenha deixado de existir, mas um ponto que as pessoas ficam trazendo o tempo todo e que tem me incomodado bastante é sobre como é "irrealista" falar sobre mulheres sáficas no século XIX — e aqui eu falo de mulheres sáficas especificamente, porque muita gente tem ignorado a sexualidade do Benedict, já que por ser homem ele tem mais "liberdade". Essa insistência do público geral me deixou muito pedante. Eu comecei a pesquisar e discutir sobre mulheres que foram abertamente (ou não) sáficas nos últimos séculos de um forma meio obsessiva. Em partes por causa de Bridgerton, em partes por causa do meu próprio livro Ira, que é fantasia histórica, mas também é protagonizado por mulheres sáficas e que eu tenho me sentido mais inspirada a terminar a cada pesquisa realizada.

Foi essa pesquisa que acabou resultado na ideia desse post: falar sobre 5 filmes de época sáficos e as mulheres reais que inspiraram eles. Todos os filmes da lista são biográficos, com as devidas licenças poéticas consideradas. Eu não quis trazer somente a história dessas mulheres sáficas, apesar de falar um pouco sobre elas, porque não sou historiadora. Eu sou criadora de conteúdo sobre entretenimento, então a ideia trazer pra vocês um pouquinho de entretenimento. A lista é curta porque eu quis focar em filmes que eu tinha assistido e que eu podia falar sobre, mas embaixo dela tem algumas recomendações extras que seguem a mesma lógica, mas que eu nunca assisti.

Sobre os filmes e as mulheres retratadas nele, acho importante destacar algumas coisas: Biopics, como são chamados os filmes biográficos, são ficção. Ficção baseada em documentos históricos e/ou memórias, mas continuam sendo ficção, uma narrativa criada a partir de fatos que aconteceram ou que foram retratados dessa forma. A sexualidade de algumas das mulheres mencionadas na lista são fonte de discussão até hoje e  o debate é se existem ou não evidências de que essas mulheres tiveram relacionamentos românticos com outras mulheres. No fim, somente elas poderiam afirmar ou desmentir qualquer coisa sobre a própria sexualidade. Mas, como boa fofoqueira, eu fui eu mesma atrás das evidências, decidir por mim mesma se eu acreditava que elas indicavam relacionamentos românticos ou não. Eu também sei que existem historiadores e pesquisadores que discordam, ou que não interpretam os mesmos documentos da mesma forma e no fim das contas, sem elas aqui para se expressarem, tudo é mesmo uma questão de interpretação. Dessa forma, para as mulheres cujo relacionamento com outras mulheres ainda uma questão de discussão, saibam que elas estão nessa lista porque a minha interpretação das evidencias e a minha identificação com elas me diz que elas são, por falta de termo melhor, bem gay. Aproveitem!


1. Professor Marston e as Mulheres Maravilhas
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Eu não tinha opção além de começar com esse. Quem me conhece sabe que assistir esse filme pela primeira vez mudou minha vida e que ele é simplesmente minha religião. O filme conta a história do professor William Marston, que criou as primeiras HQs da Mulher Maravilha e das duas mulheres que inspiraram a criação da super-heroína: Elizabeth Holloway Marston (1893-1993) e Olive Byrne (1904-1990).

Enquanto Elizabeth era oficial e legalmente esposa de William, Olive é reconhecida pela História (com H maiúsculo) como parceira poliamorosa dos dois. Vários registros, e a própria família dos três, indicam que eles estiveram envolvidos romanticamente por décadas. Olive morou com o casal e os três criaram seus filhos juntos, como uma família só. O primeiro filho de Olive, inclusive, se chamava Byrne Holloway Marston, uma junção do sobrenome dos três, enquanto a filha de Elizabeth recebeu o nome de Olive Ann. Existem histórias até mesmo sobre uma cerimônia de casamento entre os três, com o dia 21 de novembro sendo considerado um aniversário de casamento.

No filme, Olive se apaixona por Elizabeth antes de pensar em William. Quer isso seja verdade ou não, o fato é que após a morte de William em 1947, Elizabeth e Olive continuaram vivendo juntas por outras 3 décadas e para os mais próximos, finalmente admitiram a verdade sobre o seu relacionamento. Elizabeth e Olive são as duas mulheres mais velhas vestidas de azul na foto de capa deste post.

2. Colette (2018)
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Sidonie-Gabrielle Colette, mais conhecida como Colette (1873-1954) foi uma escritora, atriz e jornalista francesa. Tanto no filme protagonizado por Keira Knightley, quanto na documentação que existe na realidade o pontapé da história de Colette foi seu casamento com Henry Gauthier-Villars: um homem 14 anos mais velho que incentivava a sua escrita, mas publicou seus primeiros livros como se fossem dele. Um libertino de marca maior, Henry incentivava a exploração da sexualidade de Colette, que teve suas primeiras experiências sáficas quando ainda era casada.

Mas foi depois de seu divórcio em 1906 que Colette teve alguns de seus relacionamentos sáficos mais marcantes. Em janeiro de 1907, trabalhando como atriz para sobreviver, Colette beijou a colega de cena e namorada Mathilde de Morny, uma aristocrata sobrinha de Napoleão III que se vestia com roupas masculinas e era conhecida como Max (adicione o meme do cachorro com uma bandeira trans e uma interrogação aqui). O beijo entre Max e Colette causou um rebuliço tão grande que elas precisaram esconder seu relacionamento publicamente dali para a frente. Ainda assim, elas continuaram juntas por outros cinco anos e chegaram a comprar uma casa juntas em 1910 (importante: usei o pronome "ela" para me referir a Max durante esse parágrafo inteiro porque foi esse pronome que ela usou durante toda a vida).

Depois de se separar de Max, Colette se casou com Henry de Jouvenel com quem teve sua única filha. Ela se separou do marido em 1924, um dos motivos tendo sido o fato de que estava traindo ele com o próprio enteado (filho dele, mas não dela). É seguro dizer, então, que a sexualidade de Colette era, por falta de termo melhor, fluida. Não sei como ela se identificaria se fosse viva hoje, mas o filme e a história dela me fazem pensar em pansexual. Colette é a segunda mulher da direita para a esquerda na foto de capa deste post.

3. A Favorita (2018)
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Eu estava indecisa sobre colocar a Rainha Anne da Inglaterra (1665-1714) nessa lista a princípio. Porque é óbvio que a interpretação do Yorgos Lanthimos da história da rainha é sensacionalizada e exagerada de todas as formas possíveis. Além disso, como uma pessoa que já leu muito sobre a história da realeza, eu entendo que mesmo textos contemporâneos sobre rainhas mulheres dificilmente são fieis à realidade. Anne, em especial, subiu ao trono em uma época de divisões e guerras religiosas, brigada com o próprio pai por causa delas. Facções políticas dentro dos grupos religiosos também começavam a se definir mais claramente na época. Dessa forma, retratar a rainha como "devassa" e retratar suas amizades de forma sexual poderia, sim, ser um movimento político.

Só que foi a própria leitura de um texto contemporâneo de alguém que conheceu a rainha intimamente que me convenceu de que tinha caroço nesse angu. Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough (no filme interpretada por Rachel Weisz) foi uma das primeiras pessoas a escrever relatos biográficos sobre a Rainha, através das suas próprias biografias. Os relatos da Duquesa após a morte da Rainha eram tão violentos e cheio de ressentimento que influenciaram a perspectiva de que a rainha era uma mulher fraca. Exames mais precisos desses relatos revelam uma verdade muito mais lógica: SARAH PEGOU AR.

Sarah Churchill foi eleita uma das damas de Anne quando ela ainda era Princesa Anne em 1683, assim que ela se casou. Anne — que sendo bem justa, é descrita como apaixonada por seu marido — engravidou um total de 17 vezes. Dessas 17, somente 5 resultaram em partos de bebês vivos, sendo que 2 morreram horas depois de nascer e 3 morreram ainda crianças. Sarah esteve presente em todas as gravidezes e foi madrinha de alguns dos bebês. A proximidade das duas permitia que Sarah tivesse certa influência política até mesmo durante o reinado da irmã e do cunhado de Anne, que reinaram antes dela. Até que os reis (Mary II e William III reinaram como um só na Inglaterra) resolveram demitir o marido de Sarah do seu cargo no reino, o que causou uma briga significativa entre Anne e sua irmã, porque Anne saiu em defesa de Sarah e sua família.

Resumo rápido do que acontece em seguida: Mary II morre. William III faz as pazes com Anne porque com Mary morta, Anne é a herdeira oficial do trono. Anne convence William a recontratar o marido de Sarah para seu cargo. William morre, Anne ascende ao trono. A pressão politica que Sarah tenta causar em Anne faz com que ela se afaste de sua favorita e se aproxime de Abigail Hill (Emma Stone no filme), uma nova dama da sua corte. Isso afasta ainda mais Sarah e Anne. Em 1708, Príncipe George, o marido de Anne morre, o que a deixa devastada. Sarah vê a morte de George como a oportunidade perfeita para se reaproximar de Anne (o que faz pouquíssimo sentido se você não considerar que existia um aspecto romântico do relacionamento). Só que as ações de Sarah deixam Anne ainda mais desgostosa, porque Sarah parece efetivamente tentar substituir e apagar George da vida de Anne.

Essa ação é a pá no caixão do relacionamento das duas, que nunca mais volta ao normal. O resultado disso é a forma como Anne é retratada na biografia de Sarah, o que GRITA ex-namorada amargurada. A Rainha Anne da Inglaterra é a única pintura da foto de capa deste post.

4. Vita e Virgínia (Um Romance nas Entrelinhas)
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Eu não sei se vocês perceberam um padrão aqui, mas na maioria das vezes quando um romance sáfico foi bem documentado durante a história era porque uma ou mais das envolvidas escrevia muito. O relacionamento entre Virginia Woolf (1882-1941) e Vita Sackville-West foi amplamente documentado através de cartas, histórias escritas em parceria e textos que uma inspirou a outra a escrever. Apesar de serem casadas com homens, as cartas que trocaram durante o período que estiveram juntas (entre 1922 e 1941) deixavam claro o sentimento intenso que compartilharam.

Vita e Virginia foram escritoras prolíficas e seria um desserviço com ambas contar sua história quando elas mesmas já escreveram tanto. Por isso, vou recomendar o livro compilado com suas cartas no lugar. "Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor" foi lançado no Brasil ano passado pela Editora Morro Branco. Virgínia Woolf é a primeira mulher da direita para a esquerda na foto de capa deste post.

5. Lizzie (2018)
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Lizzie Borden (1860-1927) é uma figura infame e quase folclórica da cultura americana, após ter sido acusada de assassinar seu pai e madrasta a machadadas em 1892. Acusada, mas não condenada, devo adicionar. Eu não tenho opinião formada sobre Lizzie ter ou não matado os pais e a essa altura não faz diferença. A opinião pública acredita que sim, enquanto o sistema judiciário americano do século XVIII (haa) decidiu que não. Existem diversas teorias sobre o que aconteceu na casa de Lizzie naquela tarde de verão e o filme Lizzie dirigido por Craig Macneill, trabalha uma delas: a de que Lizzie matou seus pais para proteger seu relacionamento amoroso com a empregada Bridget Sullivan, também chamada de Maggie.

Como filme, ficção, ele tem o direito de seguir o próprio ângulo e eu não estou aqui para criticar ele. Minha questão sobre este ângulo é somente um: de todas as teorias sobre Lizzie ter um motivo para matar os pais, essa é a mais fraca. O próprio depoimento de Maggie durante o julgamento de Lizzie não me faz acreditar que as duas tiveram um relacionamento. Dinheiro e liberdade são motivos muito mais convincentes, se você acredita que Lizzie foi a assassina.

"Mas por que Lizzie está nessa lista, então, Giulia?" Obrigada por perguntar! O que me convence que a sexualidade de Lizzie Borden estava mais próxima do arco-íris foram os relacionamentos que ela teve depois do julgamento e absolvição. Lizzie Borden se tornou uma figura pública pelos piores motivos possíveis, mas ainda assim, ela se tornou uma figura pública. Seus movimentos eram observados com uma luneta. Apesar de estar tão sujeita a rumores dos mais cruéis, os únicos relacionamentos significativos que Lizzie teve foram com mulheres. O mais significativo foi com a atriz Nance O'Neil, que inclusive foi um dos motivos pelo qual a irmã mais velha de Lizzie, Emma deixou a casa que as duas moravam juntas e nunca mais voltou a ver a irmã.

O fim do relacionamento com Nance também causou um tumulto emocional a Lizzie, que saiu até mesmo nos jornais da época. Essas coisas, além de cartas enviadas por Lizzie me convencem muito mais sobre a sua sexualidade do que qualquer coisa relacionada ao assassinato. Além disso, o drama causado por esse relacionamento me faz acreditar que se Lizzie tivesse matado os pais por Maggie, ela ia deixar isso bem claro durante o julgamento. Lizzie é a primeira mulher da esquerda para a direita na foto de capa deste post.

OUTRAS MULHERES E SUAS RESPECTIVAS WIKIPEDIAS
+ obras de arte inspiradas nelas

Anne Lister (1791-1840), conhecida como a "primeira" lésbica moderna. Inspirou a série Gentleman Jack da HBO. Disponível na Max através do Prime Video Channels.

A poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979) e a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (1910-1967) se conheceram no Brasil na década de 50 e se tiveram um romance clássico e turbulento. A história inspirou o filme Flores Raras de 2013, protagonizado por Glória Pires e Miranda Otto.

Lady Catherine Jones (1660-1727), filantropa inglesa que herdou as terras do pai quando morreu, chamou sua amiga Mary Kendall pra morar com ela e quando as duas morreram foram enterradas juntas na igreja.

Benedetta Carlini (1591-1661) foi uma freira católica mística e lésbica, que viveu na Itália na época da Contra-Reforma. Aparentemente, uma das "amantes" dela dizia que ela era possuída por um demônio todas as vezes que elas faziam sexo. Mas eu não me aprofundei nessa história quanto deveria.  A história da freira inspirou o filme francês e neerlandês Benedetta (2021), disponível no Telecine Play com Prime Vídeo Channels.

As Senhoras de Llangollen Eleanor Butler (1739-1829) e Sarah Ponsonby (1755-1831) foram duas mulheres aristocratas que depois de se conhecerem traçaram um plano para fugirem de casa e evitarem ser forçadas a se casarem com homens. O plano levou 10 anos para ser colocado em prática, mas em 1778 elas deixaram suas casas na Irlanda e se mudaram para  Llangollen no País de Gales, onde compraram uma casa que chamaram de Plas Newydd (Nova Mansão, em Galês) que reformaram no estilo gótico. As mulheres viveram juntas por 50 anos, como senhoras da mansão que construíram juntas, fazendo inclusive festas e bailes que atraíram poetas e escritores como Lord Byron e Percy Shelley. Mas a melhor parte vem em seguida: de acordo com o artigo da Wikipédia, a fama das Senhoras de Llangollen chegou até a Rainha Charlotte que convenceu seu marido George III a dar uma pensão anual para as duas, que haviam sido deserdadas pela própria familia. E sim, é a mesma Rainha Charlotte e Rei George de Bridgerton.

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Não tem forma melhor de terminar este post do que essa. Por hoje é isso! Me contem histórias de mais mulheres sáficas incríveis nos comentários.

Vejo vocês quando eu conseguir,
G.